Algum drama qualquer - VIII
“E
será a última vez que você verá seus filhos...”
O delegado só não amassou o
papel desgastado por lágrimas porque era uma prova crucial do inquérito
policial. Muito provavelmente, a principal. Mas sua vontade era de exumar o
cadáver e quebrá-lo mais do que já fora quebrado no acidente de carro.
Por outro lado, ele também
queria, em sua condição de homem, jogar a mulher que havia traído o marido e os
filhos pela janela do sétimo andar do prédio onde eles moravam.
O psicólogo da polícia havia
lhe dito que era um quadro claro de depressão que poderia ou não ter sido
agravado por algum outro tipo de transtorno causado pela traição. O delegado,
por sua vez, acreditava em algum tipo de doença mil vezes pior. Uma daquelas doenças
de caráter irreversíveis que ele tanto conhecera ao longo da carreira.
Só que era um pouco mais grave
a situação. Aquela era uma história de múltiplos culpados e três vítimas
absurdamente azaradas e injustiçadas. Se existisse um Deus, ele não estava em
condições muito boas para escolher quem merecia ou não morrer. E se existisse
um inferno, o homem estaria lá, esperando por sua esposa.
Houve uma traição descoberta,
um marido que ficou cada vez mais angustiado, desanimado, desmotivado e
indeciso. Pelos relatos da esposa desesperada, ele tinha medo de tudo e estava
completamente paranoico. Desconfiava de todos, olhava sempre ao seu redor,
achando que alguma coisa de muito ruim poderia acontecer. Também já havia
falado em suicídio e sobre não aguentar mais as coisas diversas vezes. Tudo
mudou logo depois que ele encontrou mensagens comprometedoras no celular da
mulher.
Mesmo após o tão adorado
perdão, as coisas só pioraram. Brigas constantes, guerras dentro da própria
casa e discussões que os três filhos, agora mortos, eram obrigados a
presenciar. Até que, numa madrugada insone, o marido decidiu que já tivera mais
do que o suficiente daquela vida. Ele iria abandonar a esposa traidora de vez.
Mas levaria os filhos com ele.
Um pouco tonto de sono, fora de
si ou completamente desesperado, o marido se levantou da cama no meio da noite
e trancou a esposa em seu quarto, ainda dormindo. Foi até o escritório da casa
e, sentado na escrivaninha de mogno, escreveu uma carta. A caligrafia trêmula
indicava descontrole, as manchas indicavam lágrimas e os furos no papel
ocasionados pela ponta da caneta indicavam força. Ou fraqueza, a linha que
separa as duas coisas é muito tênue em alguns casos.
A maldita carta era a mesma
que assombrava os pesadelos do delegado, ansiando por ser queimada. O motorista
da carreta disse que o carro havia simplesmente entrado na sua frente, na
contra mão, e aí já era tarde demais para desviar. A perícia não detectou
nenhum tipo de problema no automóvel e nem havia vestígio algum de substâncias
entorpecentes no organismo do cadáver do marido.
Ele poderia ter dormido
enquanto dirigia.
Mas, depois que as história da
separação e da doença do marido chegaram aos seus ouvidos, era fácil duvidar.
Coincidências não existem, nunca existiram.
Entre tantas frases furiosas e
acusações desgovernadas, havia aquela frase. A frase que fizera com que os
pelos da nuca do delegado se arrepiassem. Como um pai era capaz de fazer algo
assim com os filhos era um mistério que nunca seria solucionado.
“E
essa será a última vez que você verá seus filhos. É melhor ir se preparando
para sofrer tanto quanto eu.”
olá, fui deixar uma poesia lá no grupo da AVEC e vi teu conto, achei tão interessante que vim conhecer, e realmente é muito bom. gosto desse gênero, é meu preferido, e vc escreve mto bem. estou te seguindo e gostaria que vc visitasse meu espaço para opinar sobre meus escritos, bjs
ResponderExcluirhttp://notasborradas.blogspot.com.br/
Muito obrigada pelos elogios. Pode deixar que eu vou lá visitar! Beijos.
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