Algum drama qualquer - VIII

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Algum drama qualquer - VIII



“E será a última vez que você verá seus filhos...”

O delegado só não amassou o papel desgastado por lágrimas porque era uma prova crucial do inquérito policial. Muito provavelmente, a principal. Mas sua vontade era de exumar o cadáver e quebrá-lo mais do que já fora quebrado no acidente de carro.

Por outro lado, ele também queria, em sua condição de homem, jogar a mulher que havia traído o marido e os filhos pela janela do sétimo andar do prédio onde eles moravam.

O psicólogo da polícia havia lhe dito que era um quadro claro de depressão que poderia ou não ter sido agravado por algum outro tipo de transtorno causado pela traição. O delegado, por sua vez, acreditava em algum tipo de doença mil vezes pior. Uma daquelas doenças de caráter irreversíveis que ele tanto conhecera ao longo da carreira.

Só que era um pouco mais grave a situação. Aquela era uma história de múltiplos culpados e três vítimas absurdamente azaradas e injustiçadas. Se existisse um Deus, ele não estava em condições muito boas para escolher quem merecia ou não morrer. E se existisse um inferno, o homem estaria lá, esperando por sua esposa.

Houve uma traição descoberta, um marido que ficou cada vez mais angustiado, desanimado, desmotivado e indeciso. Pelos relatos da esposa desesperada, ele tinha medo de tudo e estava completamente paranoico. Desconfiava de todos, olhava sempre ao seu redor, achando que alguma coisa de muito ruim poderia acontecer. Também já havia falado em suicídio e sobre não aguentar mais as coisas diversas vezes. Tudo mudou logo depois que ele encontrou mensagens comprometedoras no celular da mulher.

Mesmo após o tão adorado perdão, as coisas só pioraram. Brigas constantes, guerras dentro da própria casa e discussões que os três filhos, agora mortos, eram obrigados a presenciar. Até que, numa madrugada insone, o marido decidiu que já tivera mais do que o suficiente daquela vida. Ele iria abandonar a esposa traidora de vez. Mas levaria os filhos com ele.

Um pouco tonto de sono, fora de si ou completamente desesperado, o marido se levantou da cama no meio da noite e trancou a esposa em seu quarto, ainda dormindo. Foi até o escritório da casa e, sentado na escrivaninha de mogno, escreveu uma carta. A caligrafia trêmula indicava descontrole, as manchas indicavam lágrimas e os furos no papel ocasionados pela ponta da caneta indicavam força. Ou fraqueza, a linha que separa as duas coisas é muito tênue em alguns casos.

A maldita carta era a mesma que assombrava os pesadelos do delegado, ansiando por ser queimada. O motorista da carreta disse que o carro havia simplesmente entrado na sua frente, na contra mão, e aí já era tarde demais para desviar. A perícia não detectou nenhum tipo de problema no automóvel e nem havia vestígio algum de substâncias entorpecentes no organismo do cadáver do marido.

Ele poderia ter dormido enquanto dirigia.

Mas, depois que as história da separação e da doença do marido chegaram aos seus ouvidos, era fácil duvidar. Coincidências não existem, nunca existiram.

Entre tantas frases furiosas e acusações desgovernadas, havia aquela frase. A frase que fizera com que os pelos da nuca do delegado se arrepiassem. Como um pai era capaz de fazer algo assim com os filhos era um mistério que nunca seria solucionado.

“E essa será a última vez que você verá seus filhos. É melhor ir se preparando para sofrer tanto quanto eu.”

Se a teoria de que o pai se matou e matou os três filhos jogando o próprio carro na frente de uma carreta em alta velocidade para se vingar da esposa estava certa ou não, ele não sabia. E nunca saberia. Mas sabia que aquela loucura toda, considerando as investigações e análises psicológicas de todos os envolvidos, fazia um enorme sentido.

2 comentários :

  1. olá, fui deixar uma poesia lá no grupo da AVEC e vi teu conto, achei tão interessante que vim conhecer, e realmente é muito bom. gosto desse gênero, é meu preferido, e vc escreve mto bem. estou te seguindo e gostaria que vc visitasse meu espaço para opinar sobre meus escritos, bjs


    http://notasborradas.blogspot.com.br/

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    1. Muito obrigada pelos elogios. Pode deixar que eu vou lá visitar! Beijos.

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