julho 2018

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Copa



Em época de copa todo mundo entende de futebol. A maioria brasileira apaixonada pelo esporte se junta na casa de um deles e mesmo que seja dia de semana o ar tem cheiro de feriado. Até quem não tem camisa de futebol se veste de verde e amarelo e se esquece da putaria que o nosso país virou.
A gasolina aumenta, a reforma da previdência é aprovada, mais alguns bilhões de dólares somem da Petrobrás e todos os olhos estão voltados para o Neymar. Pobre rico menino Neymar, perseguido pelos adversários como um rato no ninho de cascavéis.
O mundo acaba, pessoas passam fome e os olhos se fecham ainda mais para os necessitados. Eles também devem estar curtindo a copa. Afinal, todas as necessidades básicas são substituídas pela vontade de ver chegar o hexa.


quarta-feira, 25 de julho de 2018

Sobre Despedidas



Demorei para escrever um texto sobre você. Porque, na minha cabeça, meus textos sempre são sobre coisas que já se foram. Escrever um texto é o mesmo que me despedir. E eu não quero ter que te dizer adeus.
Mas, às vezes, é preciso se despedir. Para que ambos possam se ver livres para partir, e viver sua vida em paz. A dor vai continuar aqui, é claro, ela vai ser minha companheira por um longo tempo e muitas vezes eu vou sentir que isso vai me matar.
Mesmo assim, resolvi escrever um texto sobre você, numa tentativa torpe de exorcizar a dor e matar a saudade. Na verdade, eu nem sei como terminar, agora que comecei. Falar sobre tudo o que aconteceu entre nós vai me machucar e agora eu não quero sentir mais dor. O que eu quero é me libertar.



segunda-feira, 23 de julho de 2018

Fantoche



Às vezes eu me pego vagando, sem destino. E às vezes eu olho em volta e não consigo me imaginar em outro lugar. O que, talvez, eu devesse fazer. Fugir, eu digo. Dessa casa, dessa cidade, dessas pessoas que agem como se eu fosse obrigada a alguma coisa, como se elas soubessem o que é melhor para mim.
Seria mais sadio, com certeza. À minha saúde mental, eu digo. Viver cercada de gente louca que tem certeza de tudo é tóxico, está me matando aos poucos.
Eles gritam o tempo inteiro, não me deixam falar. Abafaram minha voz e a usam como querem, sem me consultar. Todos sabem o que é melhor para mim, todos já conhecem os meus passos ao longo da vida. Sabem como eu vou agir e o que vai acontecer no final.
E o pior é que eu deixo. Já fiquei rouca de tanto tentar me fazer ouvir, desisti de viver por mim mesma e espero o dia em que todos vão me notar, vão perceber o que me fizeram. E, talvez, algum dia, se coloquem no meu lugar.

sábado, 21 de julho de 2018

Parabéns



Parabéns para mim, que já sobrevivi por 23 anos dentro desse hospício que chamam de Brasil. Parabéns para mim, que ainda não matei ninguém. Parabéns por não ter enlouquecido (não muito) quando as coisas não deram certo, por me manter sã (um pouco) num mundo de loucos. Parabéns por ter me formado, por ter arrumado um emprego, por ter aceitado calada toda a maldade que um dia me fizeram.
Parabéns, e não “feliz aniversário” porque feliz, hoje em dia, é uma coisa complicada de se ser.


quinta-feira, 19 de julho de 2018

Tóxica



Você é tóxica, como um polvo. Tenta matar todo mundo com seu veneno, faz questão de atingir todos ao seu redor com seu mau humor.
Você entra num lugar e o ambiente inteiro fica pesado, quase impossível respirar. Parece até o próprio pecado encarnado. Você é densa, tensa, você invade minhas entranhas e me faz querer te vomitar quando eu mal te engoli.
E ri.
Ri de quem não consegue te digerir, ri de quem vai embora porque não suporta ficar no mesmo ambiente que você. Você não se importa, nem liga, parece que nem percebe o tanto que incomoda.



terça-feira, 17 de julho de 2018

Sô Jão



Sô Jão detestava ser chamado de Seu Zé. Qualquer um que se atrevesse, ia entender porque ele tinha fama de ignorante por aquelas bandas. Nasceu num tempo em que pai era rei e mãe, escrava. E criou os filhos assim. Homem cascudo, calejado, que não aceitava desaforo, trabalhador daqueles que nunca parava. Quando não conseguia mais trocar as lâmpadas da casa, ia olhar a rua só para fazer o tempo passar.
Sô Jão tinha várias cicatrizes e aprontou tantas que ninguém consegue mais contar. Pino no joelho, traumatismo craniano, pontos na cabeça... e ainda tem o fusquinha laranja amassado guardado na garagem, empoeirado, testemunha das viagens de uma vida inteira.
Sô Jão disse que o jogador do galo estava internado. Contou quanto que a esposa recebe de aposentadoria e viu os irmãos ao seu lado no hospital, junto com seus filhos e netos. Sorriu como uma criança, se irritou como um velho e ainda tentou fugir do hospital.
Mas Sô Jão não voltou para casa. Bom, pelo menos não voltou para a antiga casa, onde criou 3 filhos e viu os netos correrem. Ele foi morar num lugar melhor, um lugar que eu nunca conheci ninguém que já tivesse visitado, mas que todos dizem que é melhor que aqui embaixo. Sô Jão deixou para trás muita saudade, é verdade, mas agora está em paz.

domingo, 15 de julho de 2018

#EU





Eu gosto de curtir a bad de vez em quando. Do mesmo jeito que as pessoas curtem a preguiça, ficando de pijama o dia inteiro, não se levantando da cama, olhando para o teto enquanto pensa em algo para procrastinar. Eu gosto dessa coisa de ouvir música triste, tomar um pote de sorvete, comparar o céu nublado com o meu humor. Faz bem, às vezes, sentir as lágrimas escorrendo pelo rosto. Quando isso acontece, o peito fica leve, o peso que ele abrigava vai embora e deixa só o vazio. Significa que estou pronta para outra, que eu fiquei livre do que me fez ficar mal.

sexta-feira, 13 de julho de 2018

Mais um texto sobre a dor



Ele já dormia na minha cama e eu acordava com torcicolo porque dava espaço para que seu sono fosse tranquilo. Assim como dei espaço na minha vida, alterei minha rotina. Ainda tem um arranhão na minha mão e outro na minha perna. Eu ainda escuto o miado baixinho dele e lembro perfeitamente do ronronar no meu ouvido.
Ele veio e pegou para ele uma parte de mim que eu nem sabia que existia. Tão rápido e tão intenso.... Tão pequeno. E levou junto. Deixou em seu lugar uma dor que não vai embora com o tempo, apenas adormece. E de vez em quando acorda, pulsa, esmaga meu peito. Me destrói aos poucos, de dentro para fora.

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Correio Elegante





Ô moça, vamo ali no meio da pista dançá um forrózim com eu? Sabe o que é? É que eu te vi aqui com esse cabelo escuro que nem breu e fiquei pensando com meus botão que eu divia era mandá o moço entregá um correio elegante procê. Mas num sabia se ocê ia me dá bola. Te pago até um canjicão, agora tá na moda muié gostar de comida mais que de bãobão e buquê de frô. Quem sabe a gente não estende o são jão e vira a noite, a semana, o ano, até o são jão que vem? Ou então nóis casa aqui mermo, aproveita que ocê já é a noiva, faz de mim o noivo e o bolo pode sê de paçoca. E aí, moça? Vamo ali dançar um tiquim com eu?

sábado, 7 de julho de 2018

Memento Mori





Os peixes morrem pela boca. E eu também. Mas de um jeito diferente. Nada tão romantizado como um beijo, muito menos simples como a fala. Foi só uma vez, eu juro!
- Ele se foi.

Ela saiu feito louca do quarto e eu fiquei alguns segundos sem me mexer. Eu poderia ter ido atrás, poderia ter gritado, me afastado da mulher seminua agarrada em mim. Eu poderia ter dito que a amava antes que fosse tarde demais.
Mas não.
- Você é um idiota.
- Eu sei.
E eu sabia. Que era um idiota, mas não de onde havia surgido aquela voz.
- Você está morto. De novo.
- Oi?
- Ah, certo você não se lembra. – A voz era de uma mulher. Mas poderia ser de homem. Eu estava deitado, mas se eu estivesse sentado também não faria diferença. Alguma coisa estava muito errada. – Vamos refrescar sua memória.
Eu ouvi um estalar de dedos que poderia muito bem ter sido o som de uma bomba e uma luz forte obrigou meus olhos a se fecharem. E eu nem sabia que estava no escuro.

Aquele era eu. Usando roupas que não eram minhas, falando numa língua que não era a minha, com uma voz que definitivamente eu não tinha. Mas era eu, certeza.
Ainda sem entender o que acontecia, eu vi a mim mesmo brigar com uma moça. Não entendia nada do que era dito, mas arregalei os olhos quando ela segurou um punhal a sua frente e caminhou para o meu lado. Como quem pede desculpas, dei dois passos para trás e fiquei encurralado entre a parede e a mulher.
Em algum momento deixei de ser apenas um observador e passei a ser o protagonista da cena. Quando ela falou que ia se vingar de mim por ter me engraçado com outra eu entendi, mesmo sendo um idioma estranho.
E quando ela esfaqueou minha barriga, eu senti a dor do sangue saindo do meu corpo como se fosse eu. Mas não era. Ou era?

- E essa foi só a primeira vez. – A voz andrógina novamente. Os últimos flashes de dor ainda percorriam meu corpo e eu rezei para mais uma dose. O que não veio.
- O que... – Tossi e levei a mão aos meus lábios, achando que saiu sangue como acontece nos filmes em que alguém é esfaqueado. – O que foi isso?
- Você. Sendo morto.
Eu apenas continuei encarando o que quer que estivesse a minha frente. Quase ouvi o som dos meus cílios batendo uns contra os outros.
- É normal não entender no início. – A voz era feminina, eu decidi. – Não pelo timbre em si, mas pela entonação. E pelo ódio que escorria das palavras, também. – Mas eu explico.
“Ao longo da sua vida espiritual, você morreu algumas vezes. 99, para ser mais exata. Por cometer o mesmo pecado.”
- Pecado?
- É. Luxúria, fetiche, adultério, chifre... Escolha o nome que quiser. O nome que você escolhe dar não muda os fatos: você morreu agora, assim como morreu inúmeras vezes antes, pelo mesmo motivo: traição.
- Como... – Eu não sabia nem o que eu queria perguntar, então escolhi o silêncio. Deus! Como eu precisava de mais uma dose!
- Eu te mostro.

As roupas eram ridiculamente feias. Babados e estampas exageradas e uma meia que ia até os meus joelhos. Quando me virei, tentando entender onde eu estava, quase desmaiei.
Jesus amado, eu estava usando uma peruca!
E o espelho era ovalado, a moldura parecia ouro de verdade, formando desenhos intrincados.
Uma mulher entrou no quarto e me deu um beijo longo, profundo, antes de me puxar pela mão até um salão bastante enfeitado.
- Um baile!
- Claro, gênio! – Ela sorria, mas havia algo de errado com seu sorriso enquanto ela me entregava uma taça de vinho. Eu virei tudo de uma vez só e não demorou muito para sentir que meu estômago pegava fogo.
- Veneno.
A cena mudou e agora eu encarava uma jovem com cabelos quase brancos que apontava uma arma para mim.
- Bala de revólver.
Depois eu me vi num leito de hospital com um braço ligado à um tubo intravenoso. Alguém injetou algo no tubo antes de tudo escurecer novamente.
- Dose errada de remédio. Ou não... – A voz anônima era pensativa – Não é “errada” se foi de propósito...
Eu andava pela rua quando gritos soaram. Quando olhei para o lado, algo imenso me atingiu.
- Atropelamento.
Enquanto as cenas iam mudando e a pessoa ia citando todas as formas diferentes pelas quais eu morri, eu sentia a dor e o medo de cada uma delas enquanto me lembrava dos detalhes de cada uma das minhas vidas passadas.
Os mais variados tipos de assassinatos, em infinitos lugares, pela mão de diferentes pessoas.
- Atropelado por um trem, esfaqueado, pauladas, queimado vivo, afogado... Só há uma constante nisso tudo. – Ela disse, enquanto eu sentia duas mãos em volta do meu pescoço. Como se eu me importasse... – Talvez devesse se importar. Pelo menos na sua próxima vida.
- Como eu faço para parar?
- Não dá.
Nesse momento o mundo inteiro se apagou e eu me vi deitado, ainda sem enxergar nada. Quando me dei conta do que estava acontecendo, comecei a esmurrar a tampa do caixão, mas não foi o suficiente.
- Por que não?
Era como se minha cabeça fosse afundada num balde de água e retirada repetidamente. Tudo o que eu tinha eram flashes de todos os modos que eu morri.
- Você precisa revivê-las, cada uma delas.
Quando eu pensei que não tinha como piorar, senti infinitas fisgadas arrancando pedaços da minha pele. Se não fosse tão doloroso, eu poderia pensar que um ataque de piranhas era uma morte bem criativa.

E assim se passaram horas, que eu tive a impressão de serem séculos. A dor em meu corpo evoluiu, atingiu seu ápice e ficou lá por um longo tempo. Longo o suficiente para me anestesiar. Eu não senti mais as lágrimas rolando pelo meu rosto, mas o gosto salgado delas ainda estava na minha língua.
O ser que jogava na minha cara todas as minhas burrices ria, gargalhava, parecia que o próprio diabo zombava de mim enquanto eu caía até chegar ao inferno.
- Agora você vai voltar.
- Para onde?
- Para a terra.
- Como assim? Eu não morri? – Por que diabos eu estava naquele lugar, então? Será que era um sonho?
- Morreu. Mas não o suficiente.
Só pode ser brincadeira! Depois de mais de não sei quantas vidas, depois de sentir todos os tipos de dores possíveis durante um tempo que pareceu infinito, aquela desgraça estava me dizendo que eu não tinha morrido vezes o suficiente?!
- É isso mesmo. Você não aprendeu a lição em nenhuma das suas vidas passadas.
- Que lição?
- Não sou eu quem vai te contar...

E então eu morri. E depois nasci de novo. De outra mãe, em outro tempo, outro país. O futuro não é tão bom quanto diziam ser, mas isso não importa agora. Porque alguma coisa deu errada durante a logística da coisa de nascer-morrer-nascer de novo. Agora eu me lembro de tudo.
E penso sobre tudo enquanto a minha namorada respira o pó branco e limpa os resíduos que ficaram em seu rosto. Atrás dela, a moça de cabelos loiros parecia vagamente familiar.
A partir daí todos os acontecimentos se sucederam como quando avançamos um filme para chegar na nossa parte favorita. Mas não era eu quem segurava o controle remoto.
A dor, o vômito, alguém me virando de lado enquanto a moça loira olhava, seus olhos atentos, as luzes piscando, a sirene alta demais em meu ouvido, os cabelos loiros perto demais de mim, a luz branca, o escuro, o bipe contínuo...
- Ele se foi...
E a moça do cabelo loiro, gargalhando, zombando de mim.
- Você morreu.
De novo.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Dia de Saudade





Tem dia que é de trabalho, tem dia que é de seminário, tem o domingo da preguiça e a quarta do futebol. E tem dia que é de saudade. Esse, ao contrário de tantos outros dias, não tem preferência entre o início, o meio ou o fim da semana. A saudade não escolhe horário; mas, geralmente, escolhe a solidão. E a solidão, acreditem, pode vir acompanhada de uma multidão.
Nos dias de saudade os olhos ficam marejados, qualquer coisa é motivo para respirar fundo e rezar para não chorar. Seus músculos contraídos não têm força o suficiente para refrear o aperto no peito que te atinge do nada. E fica martelando ali, no mesmo lugar, até que o local fique minado, até que a menor das simplicidades tenha a força de uma colisão de dois caminhões a 200km por hora.
E a saudade não tem preconceitos ou faz distinção de gênero, raça, idade ou espécie. Ela é democrática. A saudade é de todos. É da bisavó, do avô, da irmã, do gato. Ela vem de todos os lados de uma vez só. Não vem em ondas, vem em raios que partem seu coração em mil pedaços.

domingo, 1 de julho de 2018

Avulsa





Avulsa.
O ser à parte de tudo;
Sozinha.
Fora de órbita,
do mundo

Observadora em tempo integral
dos acontecimentos mundiais.
Não sente,
não fala;
Só vê
e nem é enxergada

Calada,
Invisível,
quase inexistente.
Atípica.
Apátrida.
Ausente.