Sô Jão

terça-feira, 17 de julho de 2018

Sô Jão



Sô Jão detestava ser chamado de Seu Zé. Qualquer um que se atrevesse, ia entender porque ele tinha fama de ignorante por aquelas bandas. Nasceu num tempo em que pai era rei e mãe, escrava. E criou os filhos assim. Homem cascudo, calejado, que não aceitava desaforo, trabalhador daqueles que nunca parava. Quando não conseguia mais trocar as lâmpadas da casa, ia olhar a rua só para fazer o tempo passar.
Sô Jão tinha várias cicatrizes e aprontou tantas que ninguém consegue mais contar. Pino no joelho, traumatismo craniano, pontos na cabeça... e ainda tem o fusquinha laranja amassado guardado na garagem, empoeirado, testemunha das viagens de uma vida inteira.
Sô Jão disse que o jogador do galo estava internado. Contou quanto que a esposa recebe de aposentadoria e viu os irmãos ao seu lado no hospital, junto com seus filhos e netos. Sorriu como uma criança, se irritou como um velho e ainda tentou fugir do hospital.
Mas Sô Jão não voltou para casa. Bom, pelo menos não voltou para a antiga casa, onde criou 3 filhos e viu os netos correrem. Ele foi morar num lugar melhor, um lugar que eu nunca conheci ninguém que já tivesse visitado, mas que todos dizem que é melhor que aqui embaixo. Sô Jão deixou para trás muita saudade, é verdade, mas agora está em paz.

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