Sô Jão
Sô Jão detestava ser chamado de Seu Zé.
Qualquer um que se atrevesse, ia entender porque ele tinha fama de ignorante
por aquelas bandas. Nasceu num tempo em que pai era rei e mãe, escrava. E criou
os filhos assim. Homem cascudo, calejado, que não aceitava desaforo,
trabalhador daqueles que nunca parava. Quando não conseguia mais trocar as
lâmpadas da casa, ia olhar a rua só para fazer o tempo passar.
Sô Jão tinha várias cicatrizes e aprontou
tantas que ninguém consegue mais contar. Pino no joelho, traumatismo craniano,
pontos na cabeça... e ainda tem o fusquinha laranja amassado guardado na
garagem, empoeirado, testemunha das viagens de uma vida inteira.
Sô Jão disse que o jogador do galo estava
internado. Contou quanto que a esposa recebe de aposentadoria e viu os irmãos
ao seu lado no hospital, junto com seus filhos e netos. Sorriu como uma
criança, se irritou como um velho e ainda tentou fugir do hospital.
Mas Sô Jão não voltou para casa. Bom, pelo
menos não voltou para a antiga casa, onde criou 3 filhos e viu os netos
correrem. Ele foi morar num lugar melhor, um lugar que eu nunca conheci ninguém
que já tivesse visitado, mas que todos dizem que é melhor que aqui embaixo. Sô
Jão deixou para trás muita saudade, é verdade, mas agora está em paz.
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