Guardanapos Rasgados

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Guardanapos Rasgados



(Inspirado na música “Você vai lembrar de mim” da banda Nenhum de Nós)

Escrevendo poesias em guardanapos, analisando os passos de todos os que andam ao meu redor. É patética a minha posição, à margem de tudo, apenas um observador solitário que já rasgou inúmeros guardanapos por simplesmente não serem o poema genial que eu tanto quis escrever.

Poema esse que nunca vai existir. Não quando a minha melhor rima está fazendo um discurso dizendo o quanto está feliz por se casar com outro. De véu, grinalda, diamantes e rubis, ela parece uma deusa. Uma deusa que nunca será minha.

Não que já não tenha sido. Não que meus lábios nunca tenham tocado os dela. Não que eles ainda não sintam vontade de tocá-los novamente. Mas o último beijo foi O beijo. O beijo que marcou o nosso fim. Não são muitos os beijos que têm tamanha importância, acreditem. Mesmo que ele tenha acontecido por um pedido meu e que os olhos dela tenham ficado abertos e entediados o tempo inteiro, ainda assim, foi o beijo de despedida. Daqueles que a gente dá uma vez só na vida.

Sua voz aveludada e embargada ainda distribui agradecimentos emotivos a todos os que se dignaram a participar da festa. O que eu tenho certeza que todos pensam é que essa é, na verdade, a segunda festa de casamento dela. A primeira não terminou nunca. Na verdade, nem começou, já que a deusa vestida de branco que chora de emoção hoje disse “não” ao invés de “sim” e escolheu outro homem ao invés de mim. Como se não bastasse ser largado no altar, o outro homem é o meu pai.

Como fui de noivo a filho do noivo é uma incógnita que eu não sei se quero mesmo resolver. Superar o golpe baixo fornecido pelo meu próprio pai até que foi fácil. O difícil é aguentar os olhares de piedade que cada convidado me lança ao passar pela minha mesa e olhar todos os pedaços de guardanapo rasgado espalhados ao meu redor. Devem acreditar que eu me transformei num lunático depressivo que rasga guardanapos rabiscados com qualquer coisa sem sentido. O que não é uma completa mentira, por sinal.

Mas tudo bem. Não vou insistir para que ela deixe de amar o meu pai e volte para mim, para o momento em que íamos nos casar. Por mais perto que nós tenhamos chegado do “passo final”, não vou me revoltar e sair matando todas as pessoas que sentem pena de mim. Não. Tudo bem se não deu certo. De verdade. A gente sobrevive à tristeza e segue em frente. Simples não é. Mas é necessário.

O estranho é que já gastei três guardanapos só com esse texto. A poesia não saiu, obviamente. Agora eu tenho que ir porque alguém teve a infeliz ideia de que eu deveria cantar no casamento do meu pai com a minha ex-noiva e é a hora do pseudo cantor aqui dar o ar da graça.

--
Luiz se levantou e seguiu até o palco onde uma típica banda de casamento esperava com a partitura da música em mãos. Olhou o mar de gente à sua frente antes de fechar os olhos e começar a cantar:


- Quando eu te vejo, espero teu beijo...

4 comentários :

  1. Eu gostei e achei interessante, e isto é literatura que pode e deve ser divulgada.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Naaah, tudo é literatura. Se é boa ou ruim, depende de quem lê (ou não lê), nunca de quem escreve. <3

      Excluir
  2. Adorei, me emocionei.
    ganhou mais uma leitora fiel.
    grande abraço e sucesso.;
    https://crisedos30eu.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito obrigada por ler e fico feliz que tenha gostado. <3 E seja bem vinda!!

      Excluir