O primeiro dia de aula

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

O primeiro dia de aula


Sua barriga insiste em fazer movimentos estranhos enquanto seus passos te levam pelas escadas até o andar certo. Pelo menos você espera que seja o andar certo. Os tais passos são estupidamente calculados para que sejam decididos, daqueles que te levam diretamente ao lugar que deve ir. E é exatamente por andar com o queixo empinado como se fosse "dona do pedaço" que todos percebem que você não é a  tal "dona do pedaço". É claro que você só se dá conta disso depois de uns dois ou três períodos de observação de calouros tão idiotas quanto você era antes.

O medo ainda passeia pela sua barriga e você, realmente, espera que a tão temida diarréia não resolva aparecer e dar um passeio também. Primeiro dia de piriri é humilhante demais. Como se andar feito um mulambo no meio de um corredor cheio de jóias, saias e vestidos bem cortados não fosse humilhante o suficiente. Não sei qual dos tipos de calouros é pior. Os que ainda acham que estão no ensino médio ou os que acreditam que estão no baile formatura. Terno, gravata, gel no cabelo e sapatos imitando espelhos. O que esse ser tem na cabeça, afinal? Calma aí, fera, ainda faltam cinco anos. Você vai ter tempo de se preparar para a festa. Ou não... Vai saber o que o temido TCC te guarda. Mas enfim...

A sala é maior do que você pensava. Uau! É a faculdade! É tão excitante. Mal pode esperar para ter a primeira aula.

Não. Ela não é fantástica e, em se tratando do curso de direito, não te jogam num juri simulado logo de cara. Não fazem isso nem mesmo depois que o seu rabo passa pela porta. O que aconteceu foi que a professora - que não se veste como se estivesse numa festa de formatura - perguntou o nome e as pretensões para o futuro de cada um dos alunos. Caramba! Isso é tão ensino médio que te broxa. E daí se ela tem doutorado? É broxante e pronto.

Ainda bem que nos períodos seguintes você aprende a dar valor as coisas que realmente têm importância. Não tem como ser professor de faculdade sem uma pós-graduação, seu anencéfalo! E não. Ela não ganha milhões por isso.

Mas é a "Ciência do direito"! A matéria base para todo o estudo do curso! Você vai aprender sobre as diferentes fases jurídicas! É tão excitante!

Na verdade, "ciência do direito" pode ser resumida em uma só palavra: História. Que, por sinal, você estudou por mais de treze anos da sua vida.

A diferença é que na escola você não aprendeu sobre naturalismo, positivismo e pós-positivismo. E você não vai ver a aplicação do pós-positivismo europeu no Brasil, mas as decepções e os abismos que existem entre prática e teoria ficam para outro texto.

Exceto uma. Uma decepção merece estar no texto sobre o primeiro dia de aula justamente por ela ter acontecido logo no primeiro dia de aula. Você, aspirante à juíza (isso também muda ao longo do curso), não vai usar o famoso martelinho, não vai ficar batucando aquele troço de madeiro feito uma criança com um chocalho. Ele é só um objeto do direito americano enfiado na sua cabeça por seriados e filmes legais demais para serem baseados no direito brasileiro.

Logo de cara, quebram as suas esperanças infantis e você pensa que não deveria estar ali. Tanto trabalho para não usar o amado martelinho! Que horror! E é só a primeira de muitas decepções.

Bom... A mensagem que fica é a que você mais quis ouvir, pelo menos:

Bem vinda à faculdade de direito.

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