No fim, até Shakespeare paga o pato
Que você é inteligente,
todos já sabem. De que tem a capacidade de ser muito mais do que é, todos têm
certeza. De que você tem a plena consciência disso... Claro que tem! Com esse
bando de gente gritando em seus ouvidos, fica difícil não escutar.
Mas, de vez em quando,
acontece aquele tipo de coisa que te faz pensar... E muito. Talvez ninguém
queira realmente entender, mas, como eu sempre digo, a capacidade irônica do
ser humano é infinita. E fascinante.
Então, lá vamos nós de novo.
Dissecando mentes pequenas, examinando a hipocrisia - proposital ou não.
As pessoas te colocam num
pedestal. Sim, eu sei que é muito, mas você está lá. Envolvida pelo vidro
inquebrável da idolatria quase que medieval. Ou medieval, se for considerar o
nível de desenvolvimento do senso crítico de algumas pessoas.
Seu cérebro é rápido,
brilhante, merecia ser estudado pelos mais renomados cientistas do mundo.
Porque você é um gênio. E porque seus parentes estranhos têm que ganhar a
competição de "família do ano".
Na verdade, a única coisa
que você conseguiu fazer foi vencer o ensino fundamental e médio sem meter os
pés pelas mãos e ter a mãe chamada na escola por motivos de notas. Detalhe: as
brigas, fugas e o tão inesquecível "vai tomar no cu, professora" não
entram no histórico. Menos mal.
O problema é que você fica
naquele pedestal feito com o mais raro marfim simplesmente porque fez a maldita
da sua obrigação quando ninguém mais fez por você.
- Passe de ano. - Eles
disseram.
Você, como filha medrosa que
era, passou.
- Sem recuperação. -
Completaram.
Pronto. Um histórico sem
notas vermelhas é o que eles têm.
E, mesmo por ter sido
mandada, guiada, arrastada e obrigada a fazer alguma coisa, você é parente
direta de Zeus ou algo do tipo. Vai entender...
Mas o problema não para por
aí. Você ainda tem que ser viciada em livros, ter mais de cento e cinquenta
títulos na estante e ler mais de um livro por semana. Agora você é o próprio
Zeus. Ou algo perto, bem perto, disso.
- Gente, eu só passei de ano.
- Você diz.
- Deixa de ser modesta! -
Eles dizem.
- Para de ter vontade de ser
elogiada! - Completam. - Isso é muito feio!
- Mas eu só disse que não
sou nenhum Einstein da vida! - Eu realmente não sei por que você insiste em
discutir.
- O QUE??? COM AQUELE TANTO
DE LIVRO E TANTA NOTA BOA??? DEIXA DE SER MODESTA!
Desista, criatura. Eles
venceram e você é o ser mais idiotamente retardado do mundo por dizer que não é
um gênio. Se é que algum gênio consegue ser o ser mais idiotamente retardado do
mundo... Perceberam a ironia? Eles não.
Não seja modesta. Ok. Você
quer, pode e consegue. Na sua cabeça, você nem é isso tudo, mas discutir gasta
energia demais. Então, só resta concordar: você quer, pode e consegue.
Assim como consegue dizer
que Shakespeare tem uma frase que fala sobre o que sua tia acabou de dizer ou
que Sidney Sheldon escreveu um livro sobre prisão feminina que,
coincidentemente, é o assunto do debate familiar.
Só que você não pode falar
essas coisas. Porque você é muito convencida e porque tem que ser humilde.
Porque você não é isso tudo e não deve querer dar uma de intelectual. Porque
você só conseguiu passar de ano sem recuperação.
- Ui, Shakespeare! -
Ironizam. - Nossa, gente, ela lê Shakespeare e o Sidney Sheldon falou aquilo!
Baixa a bola, mocinha.
Sua vontade é mostrar esse
texto inteiro para eles. Fazê-los entender que nem eles entendem eles mesmos e
suas ideias paradoxalmente distorcidas de acordo com a própria vontade.
Só que você seria convencida
por mostrar algo que você mesma escreveu como se fosse a verdade do mundo.
E, mais tarde, talvez, será
modesta demais por não ter mostrado.
E é convencida demais só por
ter escrito esse texto.
Mas, talvez, será vista como
um gênio por tê-lo escrito.
Ou como a pessoa mais
convencida do mundo.
Eu disse... A capacidade
irônica do ser humano é infinita. E, talvez, você não queira realmente
entender. E dissecar mentes pequenas - o que, sem acaso, foi o que eu acabei de
tentar fazer - não vale à pena quando até Shakespeare paga o pato.
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