No fim, até Shakespeare paga o pato

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

No fim, até Shakespeare paga o pato


Que você é inteligente, todos já sabem. De que tem a capacidade de ser muito mais do que é, todos têm certeza. De que você tem a plena consciência disso... Claro que tem! Com esse bando de gente gritando em seus ouvidos, fica difícil não escutar.

Mas, de vez em quando, acontece aquele tipo de coisa que te faz pensar... E muito. Talvez ninguém queira realmente entender, mas, como eu sempre digo, a capacidade irônica do ser humano é infinita. E fascinante.

Então, lá vamos nós de novo. Dissecando mentes pequenas, examinando a hipocrisia - proposital ou não.

As pessoas te colocam num pedestal. Sim, eu sei que é muito, mas você está lá. Envolvida pelo vidro inquebrável da idolatria quase que medieval. Ou medieval, se for considerar o nível de desenvolvimento do senso crítico de algumas pessoas.

Seu cérebro é rápido, brilhante, merecia ser estudado pelos mais renomados cientistas do mundo. Porque você é um gênio. E porque seus parentes estranhos têm que ganhar a competição de "família do ano".

Na verdade, a única coisa que você conseguiu fazer foi vencer o ensino fundamental e médio sem meter os pés pelas mãos e ter a mãe chamada na escola por motivos de notas. Detalhe: as brigas, fugas e o tão inesquecível "vai tomar no cu, professora" não entram no histórico. Menos mal.

O problema é que você fica naquele pedestal feito com o mais raro marfim simplesmente porque fez a maldita da sua obrigação quando ninguém mais fez por você.

- Passe de ano. - Eles disseram.

Você, como filha medrosa que era, passou.

- Sem recuperação. - Completaram.

Pronto. Um histórico sem notas vermelhas é o que eles têm.

E, mesmo por ter sido mandada, guiada, arrastada e obrigada a fazer alguma coisa, você é parente direta de Zeus ou algo do tipo. Vai entender...

Mas o problema não para por aí. Você ainda tem que ser viciada em livros, ter mais de cento e cinquenta títulos na estante e ler mais de um livro por semana. Agora você é o próprio Zeus. Ou algo perto, bem perto, disso.

- Gente, eu só passei de ano. - Você diz.

- Deixa de ser modesta! - Eles dizem.

- Para de ter vontade de ser elogiada! - Completam. - Isso é muito feio!

- Mas eu só disse que não sou nenhum Einstein da vida! - Eu realmente não sei por que você insiste em discutir.

- O QUE??? COM AQUELE TANTO DE LIVRO E TANTA NOTA BOA??? DEIXA DE SER MODESTA!

Desista, criatura. Eles venceram e você é o ser mais idiotamente retardado do mundo por dizer que não é um gênio. Se é que algum gênio consegue ser o ser mais idiotamente retardado do mundo... Perceberam a ironia? Eles não.

Não seja modesta. Ok. Você quer, pode e consegue. Na sua cabeça, você nem é isso tudo, mas discutir gasta energia demais. Então, só resta concordar: você quer, pode e consegue.

Assim como consegue dizer que Shakespeare tem uma frase que fala sobre o que sua tia acabou de dizer ou que Sidney Sheldon escreveu um livro sobre prisão feminina que, coincidentemente, é o assunto do debate familiar.

Só que você não pode falar essas coisas. Porque você é muito convencida e porque tem que ser humilde. Porque você não é isso tudo e não deve querer dar uma de intelectual. Porque você só conseguiu passar de ano sem recuperação.

- Ui, Shakespeare! - Ironizam. - Nossa, gente, ela lê Shakespeare e o Sidney Sheldon falou aquilo! Baixa a bola, mocinha.

Sua vontade é mostrar esse texto inteiro para eles. Fazê-los entender que nem eles entendem eles mesmos e suas ideias paradoxalmente distorcidas de acordo com a própria vontade.

Só que você seria convencida por mostrar algo que você mesma escreveu como se fosse a verdade do mundo.

E, mais tarde, talvez, será modesta demais por não ter mostrado.

E é convencida demais só por ter escrito esse texto.

Mas, talvez, será vista como um gênio por tê-lo escrito.

Ou como a pessoa mais convencida do mundo.

Eu disse... A capacidade irônica do ser humano é infinita. E, talvez, você não queira realmente entender. E dissecar mentes pequenas - o que, sem acaso, foi o que eu acabei de tentar fazer - não vale à pena quando até Shakespeare paga o pato.

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