Intragável

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Intragável


É de noite, quando todos os seres normais se sentam para ver a novela das nove, que você aparece. Sua imagem, seu rosto retorcido de raiva entra novamente na minha cabeça enquanto as lágrimas finalmente saem.

Por que não consegui derramá-las na sua frente? Por que esperei tanto para chorar?

Tantas perguntas sem respostas, tantas respostas imaginárias que fazem mais lágrimas frias surgirem por não poder viver num mundo que eu mesma criei e com o qual eu tanto sonhei. Parece covarde, eu sei, mas a saída que encontrei foi o velho clichê do copo de bebida barata num bar qualquer. Não é nem de perto tão luxuoso quanto na televisão. Chega a ser pateticamente ridículo.

Uma mulher de vinte e cinco anos, seis meses e dois dias derramando suas lágrimas, mágoas e seu quebrado coração dentro de um copo de whisky que deveria ser ilegal de tão ruim e barato que é. Talvez eu não esteja fugindo da dor e sim de mim mesma, do meu erro. Quero esquecer. Esquecer você, nós dois, esquecer tudo o que pode ser ligado a nós. Esquecer que ela te tem enquanto fui eu que sempre te cuidei. E eu, que não bebo, estou aqui. Para ficar mais clichê é só dizer que minhas unhas são testemunhas de um crime sem perdão. Na verdade elas são, mas isso não vem ao caso. Ou talvez venha, mas eu não consigo mais pensar direito.

Talvez eu devesse ir embora, talvez eu devesse terminar de beber o resto da garrafa ou talvez eu devesse ir ao banheiro retocar a maquiagem. Talvez fosse tarde demais para fazer qualquer uma dessas coisas porque você acabou de entrar neste lugar. Veio me salvar. Que bela bosta.

Quando foi que invertemos nossos papéis? Era o contrário. Exatamente o contrário. Era eu quem vinha te buscar nesse mesmo boteco que só não é pior porque tem música boa. Lembra da última vez? Você estava enchendo a cara porque ela tinha te colocado para escanteio e eu vim socorrer meu melhor amigo que derramava seu coração num copo de alguma bebida que faria mal a qualquer um. Que, por sinal, tinha um péssimo gosto.

E eu saí da temida friendzone direto para o campo das rejeitadas, que é tão temido quanto. Eu disse que era patético. Tudo é patético. Você é patético por acreditar que ficar comigo poderia te fazer esquecê-la, ela é patética por te mandar para escanteio, você é patético por me mandar para escanteio sua mãe é patética por te colocar no mundo e eu sou patética por pensar nisso tudo quando deveria ir para o banheiro fazer o maior xixi do mundo até você desistir e ir embora. Merda.

Voltando ao meu monólogo, semi-consciente de você me pegando no colo, eu não sei o que você faz aqui. Eu já sabia que você tinha algum problema sério de cabeça. Meu filho, tem uma loirinha bonitinha e pequenininha querendo seu corpo nu e você está carregando uma bêbada de coração partido e unhas mal feitas. Você é patético por isso também. Só não sei se é mais patético por me trocar por ela ou por vir aqui ser meu salvador montado num carro branco. Por Deus, me solte e me deixe na calçada. Tenho certeza de que consigo entrar no bar e voltar, sã e salva, para o meu banco quebrado e meu copo meio vazio. Me deixe experimentar um coma alcoólico, por favor.

E não passe a mão no meu rosto enquanto diz coisas reconfortantes. Pelo menos é o que eu imagino que sejam. Desculpe-me por não conseguir processar as palavras que saem da sua boca. Meus pensamentos estão trôpegos demais para distinguir suas frases. E aposto minha vida que minhas pernas também estão trôpegas demais para andar sem cair de cara no chão e sair rolando pelas escadas do prédio. Obrigada por me privar disso. Eu acho.
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Agora a luz do sol fere meus olhos e os seus estão fundos e com enormes olheiras embaixo. Não dormiu. Previsível. Você ficou a noite toda e ainda está aqui. E eu não ousaria imaginar o contrário. Como poderia se é isso o que sempre faz? Você fica. Sempre fica. Mesmo quando não mereço, mesmo quando sou a pior pessoa do mundo. E é quando seu celular toca e o nome dela é o que aparece na tela. Você atende, resmunga alguma coisa inaudível e, olhando para mim como quem pede desculpas, se despede dela com um "tchau, meu amor".


Ah, merda. Acho que vou vomitar.

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