Até os girassóis ficaram mais bonitos

terça-feira, 10 de maio de 2016

Até os girassóis ficaram mais bonitos



Eu pensei que o mundo todo tinha perdido a cor, que o sol havia parado de brilhar e que os dias cinzentos haviam tomado conta de todo e qualquer lugar.

Eu pensei que ele fosse me procurar.

Eu acreditei nas ameaças e fugi sem nem mesmo olhar para trás.

Entrei no ônibus errado para despistar possíveis olhos conhecidos, usei peruca e maquiagem para que nunca vissem a mesma pessoa. Olhava para trás a cada dois passos e desviava meu caminho quando via uma silhueta ao menos parecida com a dele.

Por mais longe que eu estivesse, por mais difícil e impossível que parecesse encontrá-lo em outra cidade, outro país, eu ainda esperava vê-lo numa esquina qualquer, com a velha peixeira nas mãos e com o bafo de álcool saindo pela boca.

Nunca cogitei chamar a polícia. Sim, foi idiota, mas com todos esses casos de ameaças e mortes depois que as mulheres envolvem a polícia... Eu queria viver, apesar de tudo. Isso, ao menos, ele não conseguiu tirar de mim.

Sendo assim, fugi. Mas todos os dias eu arrumava algum computador com internet em algum lugar e lia o jornal da pequena cidade onde eu morava. Talvez o filho do prefeito fosse preso por bater em uma das suas amantes, assim como bateu em mim, sua mulher agora "desaparecida".

Foi numa dessas excursões à uma lan house qualquer que eu percebi o peso que carregava comigo. Eu havia fugido, me disfarçado, andei o país inteiro pulando de emprego em emprego para me sustentar em algum lugar fixo até que começasse a surtar novamente e a ver meu marido em tudo quanto é canto. Quando isso acontecia, eu me mudava novamente e recomeçava do zero. De novo.

Nesse dia, no obituário do jornal da cidade, estava escrito seu nome e uma breve história que traria orgulho a qualquer mulher que nunca havia levado uma surra do marido. Citava meu sumiço e exagerava no desgosto que ele havia sentido e nas causas nobres pelas quais havia lutado.

“Morreu, talvez, mais de saudade que de infarto.”

E, que Deus me perdoe, mas, depois de ler isso, até os girassóis na janela da lan house ficaram mais bonitos.

0 comentários :

Postar um comentário