Brenda

domingo, 15 de maio de 2016

Brenda



Eu a amava. E ela amava os pássaros. Amava-os mais que a mim, mais que aos nossos filhos. Brenda passava dias e noites observando seus hábitos e travando monólogos emocionantes sobre os “tão fascinantes” seres alados.

Antes de contar - o fim - de sua história e antes de qualquer tipo de julgamento por parte dos leitores: quero dizer que não fiz nada sem pensar ou sem levar em conta os desejos da minha falecida mulher, deixados bem claros em testamento: Brenda queria que eu a transformasse numa casa de pássaros.

Depois de algum tempo hesitando, cheguei à conclusão de que não era tão bizarro assim. Que destino melhor para uma adoradora dos seres com asas? Além disso, eu poderia tê-la bem perto de mim, como eu sempre quis durante toda a minha vida.

Seguindo os desejos da minha falecida esposa, que se tornaram também meus próprios desejos, não paguei serviço funerário ou caixão. Em vez disso, procurei um daqueles profissionais que empalham animais do jeito antigo, que aproveitavam todo o corpo e não só o couro. Consegui convencer um deles usando como argumento uma generosa quantia em dinheiro e dizendo que alguns mamíferos e os humanos têm uma semelhança muito grande entre si. Logo, não haveria de ser muito difícil. E nem proibido, já que não havia nenhuma lei proibindo que algum corpo humano fosse empalhado.

Brenda teve os órgãos internos retirados, a pele recoberta por substâncias que impedem a decomposição e galhos de árvore implantados em diversas partes do seu corpo. Nas costas, uma abertura entre as costelas foi feita e o interior da caixa torácica foi revestido de madeira e folhas. Depois de um tempo, um corvo fez seu ninho lá. A única parte que ficou intacta foi sua face. Antes era rosada, agora está meio esverdeada pelo formol.

Os galhos implantados em seus braços servem de poleiro para várias espécies de pássaro e todos os dias eu acordo com o som dos seus cantos na janela do meu quarto. Confesso que no início, toda vez que abria a porta da varanda, me assustava. Tonto de sono, achava que a minha mulher havia ressuscitado ou voltado para me buscar, coisas desse tipo.

Mas agora, depois de algum tempo, ver seu rosto esverdeado me deixa mais calmo e, de certo modo, feliz. Ela não está viva, mas os pássaros que habitam seu corpo estão. É como se a vida dela fosse transferida para os pequenos seres alados que ela tanto adorava. Agora, sei que Brenda descansa em paz.

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