Veneno

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Veneno


Aproximou-se, viu o que lhe esperava e sentou-se à mesa. Sua cozinheira, como sempre, havia feito um ótimo trabalho. Começaria pela salada, comeria o frango e então a torta, de sobremesa. Orgulhava-se da mesa farta e longa com todas as iguarias que o dinheiro poderia comprar. Nunca havia passado fome e se orgulhava disso. Nascido em berço de ouro, e, depois dele, seus filhos. Não era motivo para vergonha. Muito pelo contrário: era seu maior orgulho.

A casa estava absurdamente vazia naquele início de tarde. A mulher e as crianças haviam viajado de férias enquanto os empregados, exceto a cozinheira e sua filha, receberam o dia de folga. Nada de Lucy e Adolf correndo pela mesa seguidos pela babá incompetente. Melhor assim. Teria mais tempo na companhia da doce Melanie e de seus gemidos. Sorriu imaginando o que faria com a filha da cozinheira depois da sesta. Ou... Talvez pudesse pular o cochilo. Quem sabe? Pensaria nisso enquanto se fartaria do banquete.

Enquanto comia, sua mente era preenchida pelos planos que tinha com a jovem moça de cabelos loiros rebeldes e corpo pequeno. Nada de cochilo. Comeria a torta o mais rápido possível para então atacar a verdadeira sobremesa.

Foi então que sentiu o cheiro da deliciosa torta de maçã. Com a ajuda de um breve cálculo, tomou a difícil decisão. Saborearia a sobremesa lentamente. Melanie seria logo depois, também lentamente. Haveria tempo de sobra para as duas coisas mais desejadas pelos homens como ele. Com a colher de prata, cortou um pequeno pedaço da torta e o levou até a boca.

- O que foi? - Os olhos azuis de linhagem nobre olhou a cozinheira que o observava. - Perdeu alguma coisa aqui? - A voz rude e grave denunciava seu descontentamento. O sorriso discreto nos lábios da mulher robusta lhe irritava profundamente.

Eleanor, a cozinheira, baixou os olhos, mas o sorriso ainda estava em seus lábios. Seria difícil não mantê-lo quando se chegava tão perto de um tão sonhado objetivo. Por quantos anos havia esperado pelo momento da doce vingança? Havia passado incontáveis noites abraçando a filha enquanto a garota chorava por terem roubado sua inocência e castidade. Nada mais justo que os filhos dele chorarem por sua ausência.

Eleanor percebeu quando tudo começou a desmoronar para seu nobre patrão. Ela viu os olhos azuis se arregalarem e então tudo veio em câmera lenta. Uma sequência de fatos que ela reviraria na memória pelo resto da sua longa vida, como um orgasmo prolongado ao longo do tempo. As mãos bem cuidadas foram até a garganta como se quisessem arrancar o próprio esôfago. "Haverá ardência" alertou-lhe a conhecedora de ervas, "Uma ardência insuportável. Ela durará por uns dez minutos até que ele finalmente morra". E era exatamente isso que a cozinheira queria. Que o veneno o consumisse de dentro para fora numa tortura alucinante. Ele pagaria caro pelo que fizera à sua menina.

E assim foi até que o corpo despencou da cadeira ao chão. Os olhos abertos e o rosto numa careta de dor que lhe faria ter pesadelos se não fosse ele o culpado pela sua desgraça. O veneno que ela lhe dera era sim cruel, mas não tão cruel quanto o veneno que aquele ser desprezível injetara no útero da sua criança.

Os olhos de Eleanor se ergueram e o sorriso aumentou enquanto seus pés lhe levavam para fora da sala de jantar, de queixo erguido. Nunca havia pensado que a vingança seria tão doce. Mas seu patrão também nunca havia imaginado que o líquido que bebia por entre as pernas da sua menina ficaria tão amargo.

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