Supere em paz

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Supere em paz


As pessoas gostam de falar que o ser humano é forte, invencível. Sua mente não tem limites e seu corpo, quando bem treinado, é imbatível. Força de vontade é tudo e ainda existe toda aquela história de superação. Será?

Tão forte. Tão alegre. Tão vivo. Sustentando três filhos com o suor do seu trabalho, encarando dois adolescentes e um bebê de dois anos doente e, mesmo com tudo o que tinha para chorar, ele sorria. E se dizia o homem mais feliz do mundo. Ele tinha tudo, sabia disso, e dava valor à cada molécula de felicidade que habitava seu peito. Aproveitava o momento e não se importava com o futuro. Quando ele chegasse, daria um jeito. Um segundo de cada vez e, no fim, talvez tivesse razão e os planos fossem de fato inúteis.

E era tão frágil e vulnerável.

Num minuto, você está rindo e dirigindo uma van e, no outro, não. Uma carreta pode simplesmente surgir do nada e passar por cima do seu carro sem nem te dar tempo de dizer "adeus" à sua família. Se é que ter tempo para dizer algo assim resolva alguma coisa ou faça tudo parecer menos trágico... Se não tivesse saído da pista, se tivesse se atrasado ou adiantado um pouco, se tivesse ficado em casa... Milhões de possibilidades capazes de mudar o futuro.

Mas nada disso seria o suficiente. Dizem que, quando é a hora, é a hora e pronto. Não há quem consiga enganar a morte. Liesel não passa de um personagem que, por sorte, possuía um dos talentos - Talento? - que todo ser humano almejou: driblar a morte. Mas, mesmo a encontrando por três vezes, até a menina que roubava livros morreu. Quem mais poderia lutar contra a única certeza da vida?

Entretanto, talvez, a morte não seja tão ruim assim. Não para quem morre. Quem sofre é quem fica. Quem chora, é quem terá que conviver com a ausência da pessoa amada. "Que descanse em paz" parece funcionar e o verdadeiro tormento é superar. Diga ao garoto de treze anos que ele terá que crescer sem mais pescar com o pai. Explique para a adolescente de quinze que o pai não vai fechar a cara para seus pretendentes. Faça o bebê entender que o tão amado "papa" não irá voltar. "Supere em paz" também deveria ser um clichê dos torturantes velórios.

Conviver com a silenciosa ausência que grita todo o tempo é o mais difícil. Pelo resto da vida, terão que se lembrar que o amado marido, pai, irmão, filho, tio não vai mais sorrir. Não. Não é eterno e a dor passa a virar saudade e então, finalmente, chega o momento em que você se conforma. As etapas do luto, como muitos dizem. Mas, enquanto não passa, é eterno. E tudo que é eterno nos deixa exaustos e, de certo modo, mortos.


4 comentários :

  1. Gostei muito do teu texto. Bem meu estilo. Realista sem indiferença.Compreende, mas não faz drama. Parabéns !!! BJ.

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    1. Fico feliz que tenha gostado! Muito obrigada por ler.
      Bj.

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  2. ''talvez, a morte não seja tão ruim assim. Não para quem morre. Quem sofre é quem fica'' , minha mãe disse exatamente essa frase quando perdeu o irmão dela, e isso ficou marcado até hoje na minha mente e não tem para onde correr quando ela chega, simplesmente devemos aceitar e aprender a conviver com a ausência daquela pessoa querida e amada.

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    1. Aceitar o inevitável. Depois de um tempo, não resta escolha alguma. Mas, enquanto o tempo não passa, aceitar é a última coisa que queremos fazer.

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