Carpe Diem
Peguei um livro. E já na
segunda página percebi que não era o que eu realmente queria ou precisava. É
aquele tipo de coisa que te faz pensar no que você não quer pensar e lembrar de
coisas que você não gostaria de viver de novo. Ainda mais nos momentos em que o
coração fica mais frágil que alumínio fundido nas mãos de um experiente
ferreiro.
Também tentei ouvir música,
mas legião urbana parece ser só o que existe no mundo. Ou então as lembranças
de quando você dizia que eu havia me apaixonado pelos seus erros vem junto com
a voz do Humberto nos alto falantes. Música é uma maravilhosa forma de arte,
sem dúvida, mas também nos faz lembrar o que deveríamos – e precisamos -
esquecer.
A academia cansa enquanto
você pensa em não cair de cabeça na esteira ou em qual exercício e peso serão
os próximos. Nada de spinnig.
Executar movimentos repetitivos que não exigem concentração não é o
aconselhável. Algo mais pesado, por favor, e que me sirva de distração. Me
serviram por uma hora e meia, apenas.
Depois veio a noite e a lua
cheia lá em cima, que parece deixar tudo mais melancólico e, de certo modo,
belo. Mas não para mim. Apenas o "melancólico" cabe ao caso de alguém
que não consegue parar de pensar em te esquecer. Uma onda de tristeza invade
meu peito toda vez que penso em você. E uma vontade insana de te seguir, de
fazer qualquer coisa que não seja ficar aqui, sozinha. E então penso em como o
mundo e o destino são injustos com os apaixonados. Mas não serei fraca. Nunca
fui. Não vou chorar, me recuso a desabar ou a consumir todas as calorias de uma
gigante lata de sorvete. Meu amor se vai e o que eu tenho agora é só meu velho
e seguro orgulho. Deixarei ele aqui comigo, à minha frente, como um escudo.
Pelo menos isso.
Sem ao menos perceber que
dormi, acordo com o sol queimando meu rosto. Não me lembrei de fechar a cortina
enquanto olhava a lua numa estranha noite de auto piedade e masoquismo. Mais
uma vez, sua imagem surge por entre as nuvens, sorrindo. Tão calmo quanto
quando eu te observei dormindo. Um sorriso tristonho brota em meu rosto e eu
penso que, afinal, talvez eu devesse seguir seus conselhos e aproveitar o pouco
de tempo que nos resta. Ou talvez eu devesse seguir meus próprios conselhos -
para variar - e não te ver mais. Que a despedida seja o mais breve possível
para não causar mais danos ao meu coração já ferido.
Mas é só por um tempo.
Finalmente decido ir trabalhar ao invés de me afogar na banheira de segunda mão
e te vejo entrando no carro preto, também de segunda mão. Você acena, tenso, e
mais um sorriso surge nos meus lábios. Você sorri junto e todas as divagações
da noite anterior escoam pelo ralo dos meus próprios conselhos não seguidos.
Que, por sinal, são muitos. Dane-se o depois quando te tenho por agora.
Todos os meus pensamentos
devem aparecer estampados no meu rosto porque você solta uma gargalhada e
balança a cabeça como quem diz que já imaginava minha decisão. Ou falta dela.
Seus olhos me dizem que eu não vou te esquecer tão facilmente e os meus te
desafiam a duvidar. Mas nós dois sabemos quem é que vai ganhar.
"É tão simples"
você continua a dizer. Eu deixo tudo para a última hora, por que não deixar a
despedida para depois também? Sei que seu corpo se aproxima, mas seu sorriso é
o que prende minha atenção ao chegar cada vez mais perto do meu - meio
relutante no início-, mas eu logo me conformo com o rumo das coisas e aceito
meu destino. E fico extasiada por isso. Quem será o primeiro a sugerir para
faltar no trabalho? Quem será o primeiro a tomar a iniciativa de forçar mais
ainda a estaca contra o meu peito? Tanto faz, não importa mais. Porque suas
mãos enlaçam minha cintura e os meus braços reclamam para ter seu corpo contra
o meu.
E, bom, que mal vai fazer? Fui
eu mesma quem um dia preguei a filosofia “carpe
diem”.
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