Espera(nça)

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Espera(nça)


Há dezoito anos, tudo era normal. Meu pai chegava em casa todos os dias, às vezes me abraçava, brincava um pouco com meu irmão, beijava minha mãe e então ia ver televisão ou ler algum jornal enquanto esperava pelo jantar. É claro que nem sempre era dessa forma. Às vezes eu estava no banho ou então na casa de uma amiga, mas os fatos rotineiros são os que ficam na memória e os que mais fazem falta.

E então, como que por um passe de mágica, num dia qualquer, ele não apareceu. E nem no dia seguinte. E nem nos próximos fins de tarde depois daquele primeiro fim de tarde. Sem explicação alguma, sem nenhum bilhete e nem aviso no jornal local. Nem mesmo as fofoqueiras de plantão típicas de cidade pequena sabiam o motivo. Nada. Apenas sumiu do mapa. Poderia ter morrido num beco qualquer, fugido com uma loira peituda... Poderia ter se cansado de viver nesse lugar pacato e ido para alguma ilha particular, talvez.

Talvez.

Essa palavra tem o poder de matar qualquer um aos poucos. Não saber o que acontece, não conhecer o onde, o quando ou o por quê... Nem mesmo o quê. Quer tortura pior do que ignorar? Acreditar.

Esperança não é um sentimento positivo. Ela não deveria nem existir. Se fosse boa, não existiria. Se fosse algo bom, não duraria tanto e nem seria a última a morrer. Ela iria embora logo, junto com todas as outras coisas boas, exatamente como elas.

As coisas, que já não eram fáceis, ficaram piores. Meu pai sumiu e algo se foi com ele. O que? Não sei ao certo, não sei nem se foi uma coisa só. Talvez uma parte de cada cômodo, de cada pessoa, objeto, coração. Essa coisa se foi com ele e, em seu lugar, deixou a torturante esperança e um pedaço minúsculo do que um dia foi uma presença imponente.

Sua ausência está em todos os cantos. No olhar morto da minha mãe, nas vagas lembranças do meu irmão, nas rachaduras das paredes, nos defeitos da tinta e nos buracos da poltrona que minha mãe insiste em deixar no mesmo lugar de sempre.

Por mais que tudo indique que ele esteja morto, por mais que a gente pense que ele não vai voltar, nada impede nosso coração de bater mais forte quando a campainha toca. O número do telefone mudou, mas quem garante que ele não descobriria o novo? Talvez tenha arrumado um computador e poderia mandar um e-mail... Quem sabe? Numa época com a tecnologia tão avançada e quando a informação é mais rápida que a velocidade da luz, o que nos impede de colocar uma foto antiga no facebook e esperar que alguém tenha-o visto?

E é isso o que corrói nossa alma. O que fez com que todos nós parássemos no tempo vivendo na mesma casa de sempre. Na mesma rua, com a mesma mobília esperando pela mesma rotina que não volta mais. Nada mudou. A televisão ainda é aquele trambolho gigante, os armários de sucupira são pesados e duráveis e as cortinas de pano acumulam poeira na sala de jantar. Paramos no tempo esperando que ele também tenha parado. Quem sabe? Talvez nosso pai apareça na porta usando calças boca de sino. Talvez...

Talvez a esperança nos dê um retorno e não continue nos matando lentamente.

Mas é só mais um “talvez”...

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