Ela (não) vai voltar

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Ela (não) vai voltar


Inspirado na música "Ela vai voltar" da banda Charlie Brown Jr.

Estranho como nos agarramos a alguma música que, pelo menos por uma estrofe, descreve nossa vida. Como se as melodias e palavras melancólicas pudessem servir de algum consolo ou força milagrosa que nos faz abrir a porta e ir atrás da namorada que cansou das loucuras de um cara insano. E me vem à cabeça o velho dilema humano: a vida imita a arte ou a arte imita a vida?

Não era muita coisa. Só dez gramas de um pó branco límpido e libertador. Mas Alice não via assim. Para ela, era minha ruína, minha insanidade, nosso fim. E foi por isso que ela fez as malas, bateu a porta como se pudesse ser capaz de demolir todo o prédio de dez andares apenas com esse gesto e foi embora. Olhou para trás apenas para me lançar um olhar de desprezo e foi embora.

Depois tudo passou muito rápido e, ao mesmo tempo, como numa daquelas câmeras super lentas que mostram até a língua do carrapato encostar na pele para sugar o tão precioso sangue do cachorro. A velocidade dos acontecimentos mudando tão rapidamente que me fez vomitar no tapete da sala.

Num instante eu espalhava toda a cocaína pelo apartamento, tentando achar um jeito de convencê-la a voltar sem ter que me afastar do meu vício. E, no instante seguinte, o telefone tocava, eu atendia, a voz grave me falava sobre um acidente em algum lugar na rodovia MG 30 e recitava os ferimentos de uma vítima fatal. Toda a conversa não chegou a durar nem cinco minutos. Menos de cinco minutos que mais pareceram décadas. Uma partícula de poeira dançava na frente do meu rosto, a luz do sol de fim de tarde entrava pelas frestas das cortinas e atingia minha pele trazendo um calor que se transformou em gelo à medida que o homem falava e a música avançava. Rápido demais. Eu fui lento demais.

E eu entendia o que estava acontecendo.

Como num mundo onde tudo é mais devagar, me lembrei das últimas horas. A cocaína entrando pelas minhas narinas e alcançando os pulmões para então afetar meu cérebro, Alice entrando na sala vestindo só uma das minhas camisas, os gritos, as lágrimas, o cartão quebrado, a mesa de centro tombada, tudo espalhado e a porta batendo. Chorão caracterizando minha mulher de verdade com uma calmaria alta o suficiente para incomodar os vizinhos, o arrependimento, a vontade insana de ir atrás dela, a lembrança do engasgado "não me procure mais" ecoando em meus ouvidos.

Nos meus delírios ocasionados pela droga e pela dor, a voz rouca ecoava pelo meu apartamento e se misturava aos meus soluços, que seguiam seu ritmo como se aquilo fosse uma prece. Eu seria capaz de me agarrar a um simples verso?

Minha mente nem sempre tão lúcida fez ela se afastar, mas ela vai voltar...

0 comentários :

Postar um comentário