Vazio

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Vazio


Olhando pelo vidro que ocupava uma parede inteira, as dúvidas rondavam sua cabeça como assombrações vingativas. Aquela tortura acabaria? Quanto tempo mais ficaria sem ter notícias?

Esperando ansiosamente por qualquer coisa, sendo privada de sentir seu toque, seu cheiro... Cassie estava enlouquecendo. O único motivo pelo qual sua mente ainda não havia sucumbido completamente à loucura era seu filho. Não desistiu por nenhum momento de tê-lo novamente. Seu pequeno Daniel voltaria aos seus braços. Não importava a que custo, ela teria seu filho de volta. Nem que para isso tivesse que chamar a guarda nacional.

– Cassie? - Os olhos azuis cansados fitaram o homem encostado no batente da porta entreaberta.

Bruce era alto e forte. Seus olhos castanhos estavam tristes e preocupados. A expressão temerosa no rosto do marido era um reflexo do que havia em seu próprio coração.

– Sim?

Ele suspirou. Sua esposa já não era a mesma. Ele mesmo já não era o mesmo. A ausência de Daniel fazia com que aquela casa parecesse ainda maior e vazia. Não sabia o que fazer com aquele vazio em seu peito ou com o olhar desolado da mulher que amava. Estava fazendo tudo o que podia para encontrá-lo, mas Deus sabia que parecia não ser o suficiente.

– Vem aqui... - Ele estendeu os braços e Cassie se afundou no peito másculo e nos braços fortes. Queria transformar toda aquela dor em algo bom, queria tirar aquela tristeza dos olhos da esposa e queria poder fazer qualquer coisa para mudar os últimos dias. O sentimento de impotência era justamente uma das piores coisas para se guardar no peito.

Cassie fechou os olhos e deixou-se ser sustentada pela força do marido. Aqueles braços que sempre a faziam se sentir segura e protegida agora a lembravam de que faltava algo. Alguém. Faltava a pessoa mais importante da sua vida. Faltava Daniel.

– Eu vou encontrá-lo, Bruce. Eu vou encontrá-lo!

– Nós vamos. - Bruce abraçou-a mais forte e enterrou o rosto nos cachos loiros. - Nós vamos encontrá-lo.

Era como se o inferno houvesse se transferido para a sua casa, como se o verdadeiro tormento houvesse se instalado em seu coração. Todos os dias sem fim, todas as semanas esperando... Pelo quê? Eles não sabiam nem o que esperar! Qualquer coisa. Um telefonema, uma carta, mensagem de texto, e-mail... Qualquer coisa que os levasse um pouco mais para perto do filho. Não sabia onde procurar, como, por quem perguntar. Não faziam ideia de nada. Do que lhe adiantava toda a influência que conquistara e que herdara dos pais? De que lhe serviria a fortuna? O que ela faria com aquela mansão enorme agora que seu menino fora embora? Onde ele estaria? Como? Com quem? E, o principal, por quê? O que alguém ganharia roubando seu bebê, despedaçando seu coração e destruindo sua família?

Já investigara todos os inimigos declarados que conquistara ao longo do tempo e passara para a fase dos amigos e conhecidos de amigos, conhecidos... Um último suspiro desesperado de uma mãe agoniada. Talvez algo em seu peito já estivesse se preparando para o pior, mas ela ignorava a voz interior que dizia que era impossível. Nada era impossível. Era só correr contra o tempo e...

Talvez...

Talvez ele estivesse bem e os sequestradores só quisessem um resgate, o que não era nada. Tudo era pouco. Qualquer coisa! Até sua própria alma em troca do bem do pequeno Daniel McKoy.

Daniel Mckoy Cruguer...

McKoy Cruguer... A junção dos dois nomes mais poderosos do país... Amaldiçoava-os com todo o ódio que lhe restava na alma. Tinha completa certeza de que era por ser quem era que o filho sumira. Um império de gerações nas mãos do marido e a liberdade de milhares de pessoas nas mãos da promotora. Não... Ela nem acreditava que um dia havia pensado que aquilo tudo, todo aquele ideal de mudar o mundo, daria certo. Como daria certo se o bem mais precioso que tinha havia sumido?!

Seu coração de mãe implorava por um telefonema e um pedido de resgate. Sua alma de promotora lhe dizia o contrário. Depois de três semanas... Não. Não era um resgate o que eles queriam. Mas a esperança é uma tortura que nunca passa. É a última que morre, de qualquer forma.

– Eles têm uma pista. - A voz vinda da porta atraiu dois pares de olhos completamente aflitos e ansiosos.

– Quem? - Foi Bruce quem perguntou. Cassie já saía da biblioteca com o intuito de falar com os investigadores e começar a fazer tudo o que estivesse ao seu alcance. Possível ou impossível.

– Ainda não sabemos. - Conversavam enquanto andavam, apressados, pelos corredores da mansão. - Um homem foi visto com seu filho comprando coisas num supermercado. Uma mulher disse que reconheceu o bebê, mas, na hora, imaginou que fosse um tio ou parente...

– E a lista de nomes que Cassie fez?

– Por enquanto nada.

Chegaram numa sala onde, no momento, era a base de investigações e Cassie já estava dando ordens. Só Bruce percebia a ansiedade e desespero que havia por trás da fachada de eficiência e frieza. Sua esposa era uma daquelas raras pessoas que pensavam com mais clareza em momentos de crise.

– Eu quero que chequem todos os dados da polícia com esse rosto. - Ela dizia para um dos agentes.

– Promotora, no carro onde o homem saiu!

– O que?- Os dois, Bruce e Cassie, correram até o computador que estava com a foto de um carro branco.

– Vejam. - A mulher apontou para a imagem.

– Um rastreador... - Um lampejo de esperança surgiu no coração devastado. - Procurem em todas as companhias de seguro e rastreadoras pela placa do carro. Comecem pelas da cidade e, se não der certo, aumentem a zona de foco. Quero a placa e o nome do dono do carro. Agora!

– E o endereço de todas as residências dele. E todos os locais que estão, de algum modo, ligados a ele. - Bruce completou. Os olhos azuis procuraram os seus e Bruce viu a mesma pontinha de esperança que havia em seu peito. Assentiu encorajando-a e estendeu a mão para que ela a segurasse. Buscariam conforto e coragem um no outro. Juntos até o fim. E mais além.

Cassie só queria que aquela mão forte que ele agora lhe estendia servisse como uma boia para trazê-la de volta à superfície. Como queria que aquela vã esperança fosse sinônimo de “vai ficar tudo bem”! Talvez fosse. Talvez aquilo significasse que ela teria seu pequeno Daniel em seus braços em breve. Talvez...

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– Bruce! Bruce! - Ele olhou para o lado e lá estava seu melhor amigo. – Acharam!

– Onde?

– Numa... - Bruce não esperou nenhum tipo de explicação. Apenas pegou o papel da mão do outro homem e saiu correndo.

– Avise a Cassie! - Foi a última frase que disse antes de sair na chuva torrencial. Encontraria seu filho. Finalmente.

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– Onde ele está? Onde?! - Cassie gritava para o guarda à sua frente e lutava para eliminar as gotas de chuva que caíam em seu rosto. Por que aquele homem não a deixava passar?! Por que não a deixava ver seu filho?! Por que a impedia de finalmente ter seu bebê em seus braços?!

– Pronto. - Um segundo homem apareceu no topo da escadaria e falou com o guarda.

Por que ele usava luvas?

Por que aquelas pessoas não saíam da sua frente?

E então elas saíram. Com máquinas fotográficas, pequenos plásticos transparentes... Ela já havia visto aquilo antes. Familiar demais para que ela fingisse que aquilo tudo teria um final feliz.

– Não... - Um arfar. Não mais que isso. Um sussurro que ecoou por sua cabeça como se fosse a confirmação do que tanto temia. Ela estava certa. Iria ter seu filho novamente nos braços. O pequeno Daniel fora encontrado...

E então todo o resto do mundo ficou distante. Tudo à sua volta emudeceu e a única coisa que ela pode ouvir foi seu próprio grito desesperado. A última pessoa saiu da sua frente e então os braços do policial já não eram fortes o suficiente para detê-la quando saiu correndo. As lágrimas que tanto controlara escorriam livremente por seu rosto, misturando-se com a chuva, mas não eram o suficiente para acabar com a dor.

Não viu Bruce a abraçando ou se importou em ficar ensopada. A única coisa que via era a única coisa que não queria ver. Seu filho... Seu bebê! Seu pequeno corpinho de dois anos todo molhado e frio. Tão frio quanto a morte.

A dor era demais para ser suportada. Não iria embora, não iria deixá-lo. Nem quando Bruce tentou afastá-la ou quando alguém disse que talvez seria melhor se eles fossem para casa. Ela abraçou o corpo sem vida com mais força contra seu peito e deixou que mais lágrimas rolassem.

Era como se sua alma fosse explodir, como se seu ser fosse tomado pelo tormento e desespero do mundo inteiro. Era como estar no inferno e sofrer por todos os seus pecados de uma só vez. Cassandra McKoy não queria mais isso... Não queria mais sentir...

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– Pegaram o assassino. - Os olhos de Bruce se afastaram da mulher deitada na cama e foram até o mordomo, parado na porta do quarto. - O prefeito disse que, graças a quem são vocês, ele pegará prisão perpétua ou pena de morte.
Ele apenas concordou com a cabeça e voltou a olhar Cassie. Seus olhos castanhos, assim como os azuis dela, estavam mortos. O médico achou melhor sedá-la e, mesmo assim, ela lutara com todas as forças para não dormir. Engoliu em seco. O que fariam a partir de agora? Como seriam suas vidas sem Daniel? Nunca voltariam a ser os mesmos...

Uma única lágrima escorreu por seu rosto. Ali, em pé ao lado da cama onde sua esposa descansava, Bruce sabia que nada continuaria da mesma forma. Mesmo com o assassino morto, Daniel não voltaria. Seu filho nunca mais riria quando ele o beijasse na curva do pescoço ou sairia correndo atrás do gordo e mal humorado gato Mustafá.

Mais lágrimas escorreram enquanto ele se lembrava dos últimos dois anos de suas vidas.

– Bruce...

Os olhos de Cassie estavam vermelhos e inchados de tanto chorar e Bruce não duvidava de que os seus também ficariam assim. Ele se ajoelhou ao lado da cama e enterrou a cabeça no pescoço da esposa.

Agora que as lágrimas haviam sido libertas, não havia mais como parar.

Cassie, por outro lado, não conseguia mais chorar. Não havia lágrimas e nem forças para continuar. Sentia seu corpo pesado e dormente, não sentia nada além de um intenso torpor que sua mente havia criado para disfarçar a dor. No fundo, sabia que aquela sensação era momentânea. Em breve a dor viria novamente. E seria ainda pior.


Sempre pensara que seria forte por Bruce e que ele o seria por ela, quando precisasse. Mas era mentira. Enquanto ele desabava, uma parte dela se partia. Não havia força alguma... Só vazio.

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