Vazio
Olhando pelo vidro que
ocupava uma parede inteira, as dúvidas rondavam sua cabeça como assombrações
vingativas. Aquela tortura acabaria? Quanto tempo mais ficaria sem ter
notícias?
Esperando ansiosamente por
qualquer coisa, sendo privada de sentir seu toque, seu cheiro... Cassie estava
enlouquecendo. O único motivo pelo qual sua mente ainda não havia sucumbido
completamente à loucura era seu filho. Não desistiu por nenhum momento de tê-lo
novamente. Seu pequeno Daniel voltaria aos seus braços. Não importava a que
custo, ela teria seu filho de volta. Nem que para isso tivesse que chamar a
guarda nacional.
– Cassie? - Os olhos azuis cansados
fitaram o homem encostado no batente da porta entreaberta.
Bruce era alto e forte. Seus
olhos castanhos estavam tristes e preocupados. A expressão temerosa no rosto do
marido era um reflexo do que havia em seu próprio coração.
– Sim?
Ele suspirou. Sua esposa já
não era a mesma. Ele mesmo já não era o mesmo. A ausência de Daniel fazia com
que aquela casa parecesse ainda maior e vazia. Não sabia o que fazer com aquele
vazio em seu peito ou com o olhar desolado da mulher que amava. Estava fazendo
tudo o que podia para encontrá-lo, mas Deus sabia que parecia não ser o
suficiente.
– Vem aqui... - Ele estendeu
os braços e Cassie se afundou no peito másculo e nos braços fortes. Queria
transformar toda aquela dor em algo bom, queria tirar aquela tristeza dos olhos
da esposa e queria poder fazer qualquer coisa para mudar os últimos dias. O
sentimento de impotência era justamente uma das piores coisas para se guardar
no peito.
Cassie fechou os olhos e
deixou-se ser sustentada pela força do marido. Aqueles braços que sempre a
faziam se sentir segura e protegida agora a lembravam de que faltava algo.
Alguém. Faltava a pessoa mais importante da sua vida. Faltava Daniel.
– Eu vou encontrá-lo, Bruce.
Eu vou encontrá-lo!
– Nós vamos. - Bruce
abraçou-a mais forte e enterrou o rosto nos cachos loiros. - Nós vamos
encontrá-lo.
Era como se o inferno
houvesse se transferido para a sua casa, como se o verdadeiro tormento houvesse
se instalado em seu coração. Todos os dias sem fim, todas as semanas
esperando... Pelo quê? Eles não sabiam nem o que esperar! Qualquer coisa. Um
telefonema, uma carta, mensagem de texto, e-mail... Qualquer coisa que os
levasse um pouco mais para perto do filho. Não sabia onde procurar, como, por
quem perguntar. Não faziam ideia de nada. Do que lhe adiantava toda a
influência que conquistara e que herdara dos pais? De que lhe serviria a
fortuna? O que ela faria com aquela mansão enorme agora que seu menino fora
embora? Onde ele estaria? Como? Com quem? E, o principal, por quê? O que alguém
ganharia roubando seu bebê, despedaçando seu coração e destruindo sua família?
Já investigara todos os
inimigos declarados que conquistara ao longo do tempo e passara para a fase dos
amigos e conhecidos de amigos, conhecidos... Um último suspiro desesperado de
uma mãe agoniada. Talvez algo em seu peito já estivesse se preparando para o
pior, mas ela ignorava a voz interior que dizia que era impossível. Nada era
impossível. Era só correr contra o tempo e...
Talvez...
Talvez ele estivesse bem e
os sequestradores só quisessem um resgate, o que não era nada. Tudo era pouco. Qualquer
coisa! Até sua própria alma em troca do bem do pequeno Daniel McKoy.
Daniel Mckoy Cruguer...
McKoy Cruguer... A junção
dos dois nomes mais poderosos do país... Amaldiçoava-os com todo o ódio que lhe
restava na alma. Tinha completa certeza de que era por ser quem era que o filho
sumira. Um império de gerações nas mãos do marido e a liberdade de milhares de
pessoas nas mãos da promotora. Não... Ela nem acreditava que um dia havia
pensado que aquilo tudo, todo aquele ideal de mudar o mundo, daria certo. Como
daria certo se o bem mais precioso que tinha havia sumido?!
Seu coração de mãe implorava
por um telefonema e um pedido de resgate. Sua alma de promotora lhe dizia o
contrário. Depois de três semanas... Não. Não era um resgate o que eles
queriam. Mas a esperança é uma tortura que nunca passa. É a última que morre,
de qualquer forma.
– Eles têm uma pista. - A
voz vinda da porta atraiu dois pares de olhos completamente aflitos e ansiosos.
– Quem? - Foi Bruce quem
perguntou. Cassie já saía da biblioteca com o intuito de falar com os
investigadores e começar a fazer tudo o que estivesse ao seu alcance. Possível
ou impossível.
– Ainda não sabemos. -
Conversavam enquanto andavam, apressados, pelos corredores da mansão. - Um
homem foi visto com seu filho comprando coisas num supermercado. Uma mulher
disse que reconheceu o bebê, mas, na hora, imaginou que fosse um tio ou
parente...
– E a lista de nomes que
Cassie fez?
– Por enquanto nada.
Chegaram numa sala onde, no
momento, era a base de investigações e Cassie já estava dando ordens. Só Bruce
percebia a ansiedade e desespero que havia por trás da fachada de eficiência e
frieza. Sua esposa era uma daquelas raras pessoas que pensavam com mais clareza
em momentos de crise.
– Eu quero que chequem todos
os dados da polícia com esse rosto. - Ela dizia para um dos agentes.
– Promotora, no carro onde o
homem saiu!
– O que?- Os dois, Bruce e
Cassie, correram até o computador que estava com a foto de um carro branco.
– Vejam. - A mulher apontou
para a imagem.
– Um rastreador... - Um
lampejo de esperança surgiu no coração devastado. - Procurem em todas as
companhias de seguro e rastreadoras pela placa do carro. Comecem pelas da
cidade e, se não der certo, aumentem a zona de foco. Quero a placa e o nome do
dono do carro. Agora!
– E o endereço de todas as
residências dele. E todos os locais que estão, de algum modo, ligados a ele. -
Bruce completou. Os olhos azuis procuraram os seus e Bruce viu a mesma pontinha
de esperança que havia em seu peito. Assentiu encorajando-a e estendeu a mão
para que ela a segurasse. Buscariam conforto e coragem um no outro. Juntos até
o fim. E mais além.
Cassie só queria que aquela
mão forte que ele agora lhe estendia servisse como uma boia para trazê-la de
volta à superfície. Como queria que aquela vã esperança fosse sinônimo de “vai
ficar tudo bem”! Talvez fosse. Talvez aquilo significasse que ela teria seu
pequeno Daniel em seus braços em breve. Talvez...
---
– Bruce! Bruce! - Ele olhou
para o lado e lá estava seu melhor amigo. – Acharam!
– Onde?
– Numa... - Bruce não
esperou nenhum tipo de explicação. Apenas pegou o papel da mão do outro homem e
saiu correndo.
– Avise a Cassie! - Foi a
última frase que disse antes de sair na chuva torrencial. Encontraria seu
filho. Finalmente.
---
– Onde ele está? Onde?! -
Cassie gritava para o guarda à sua frente e lutava para eliminar as gotas de
chuva que caíam em seu rosto. Por que aquele homem não a deixava passar?! Por
que não a deixava ver seu filho?! Por que a impedia de finalmente ter seu bebê
em seus braços?!
– Pronto. - Um segundo homem
apareceu no topo da escadaria e falou com o guarda.
Por que ele usava luvas?
Por que aquelas pessoas não
saíam da sua frente?
E então elas saíram. Com
máquinas fotográficas, pequenos plásticos transparentes... Ela já havia visto
aquilo antes. Familiar demais para que ela fingisse que aquilo tudo teria um
final feliz.
– Não... - Um arfar. Não
mais que isso. Um sussurro que ecoou por sua cabeça como se fosse a confirmação
do que tanto temia. Ela estava certa. Iria ter seu filho novamente nos braços.
O pequeno Daniel fora encontrado...
E então todo o resto do
mundo ficou distante. Tudo à sua volta emudeceu e a única coisa que ela pode
ouvir foi seu próprio grito desesperado. A última pessoa saiu da sua frente e
então os braços do policial já não eram fortes o suficiente para detê-la quando
saiu correndo. As lágrimas que tanto controlara escorriam livremente por seu
rosto, misturando-se com a chuva, mas não eram o suficiente para acabar com a
dor.
Não viu Bruce a abraçando ou
se importou em ficar ensopada. A única coisa que via era a única coisa que não
queria ver. Seu filho... Seu bebê! Seu pequeno corpinho de dois anos todo
molhado e frio. Tão frio quanto a morte.
A dor era demais para ser
suportada. Não iria embora, não iria deixá-lo. Nem quando Bruce tentou
afastá-la ou quando alguém disse que talvez seria melhor se eles fossem para
casa. Ela abraçou o corpo sem vida com mais força contra seu peito e deixou que
mais lágrimas rolassem.
Era como se sua alma fosse
explodir, como se seu ser fosse tomado pelo tormento e desespero do mundo inteiro.
Era como estar no inferno e sofrer por todos os seus pecados de uma só vez.
Cassandra McKoy não queria mais isso... Não queria mais sentir...
---
– Pegaram o assassino. - Os
olhos de Bruce se afastaram da mulher deitada na cama e foram até o mordomo, parado
na porta do quarto. - O prefeito disse que, graças a quem são vocês, ele pegará
prisão perpétua ou pena de morte.
Ele apenas concordou com a
cabeça e voltou a olhar Cassie. Seus olhos castanhos, assim como os azuis dela,
estavam mortos. O médico achou melhor sedá-la e, mesmo assim, ela lutara com
todas as forças para não dormir. Engoliu em seco. O que fariam a partir de
agora? Como seriam suas vidas sem Daniel? Nunca voltariam a ser os mesmos...
Uma única lágrima escorreu
por seu rosto. Ali, em pé ao lado da cama onde sua esposa descansava, Bruce
sabia que nada continuaria da mesma forma. Mesmo com o assassino morto, Daniel
não voltaria. Seu filho nunca mais riria quando ele o beijasse na curva do
pescoço ou sairia correndo atrás do gordo e mal humorado gato Mustafá.
Mais lágrimas escorreram
enquanto ele se lembrava dos últimos dois anos de suas vidas.
– Bruce...
Os olhos de Cassie estavam
vermelhos e inchados de tanto chorar e Bruce não duvidava de que os seus também
ficariam assim. Ele se ajoelhou ao lado da cama e enterrou a cabeça no pescoço
da esposa.
Agora que as lágrimas haviam
sido libertas, não havia mais como parar.
Cassie, por outro lado, não
conseguia mais chorar. Não havia lágrimas e nem forças para continuar. Sentia
seu corpo pesado e dormente, não sentia nada além de um intenso torpor que sua
mente havia criado para disfarçar a dor. No fundo, sabia que aquela sensação
era momentânea. Em breve a dor viria novamente. E seria ainda pior.
Sempre pensara que seria
forte por Bruce e que ele o seria por ela, quando precisasse. Mas era mentira.
Enquanto ele desabava, uma parte dela se partia. Não havia força alguma... Só
vazio.
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