Cartas de quem já esteve aqui

quarta-feira, 25 de março de 2015

Cartas de quem já esteve aqui


Confesso que ainda abro aquela velha caixa de sapatos uma vez por semana. Sento-me na cama e contemplo a superfície amassada do papelão, tentando tomar coragem para jogá-la na lareira e assistir tudo virar fumaça. Mas eu confesso também que nunca consigo.

Acaricio todas as memórias que vivem ali dentro, brincando com os papéis e objetos que insistem em dançar na minha cabeça, por entre meus dedos. Um velho frasco de perfume, algumas fotografias envelhecidas pelo tempo, um marcador de página que tem a forma de um pinheiro... Confesso que ainda não consegui rasgá-lo, mas eu prometi a mim mesma que faria.

O velho diário que virou caderno de rascunhos esconde risadas e melodias que, se eu tivesse ousadia o suficiente, soariam pelos quatro cantos da casa. Embaixo dele, moram os envelopes pardos e papéis de carta decorados com a caligrafia elegante de alguém que praticamente nasceu escrevendo lágrimas nos olhos de quem se julgava incapaz de sofrer. Confesso que leio cada uma delas antes de dormir, pelo menos uma vez por semana. Nada mal, para quem as lia todo dia. Talvez eu consiga jogá-las de vez na lareira. Talvez meu sofrimento queime junto com a tinta da sua caneta.

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