Hereditariedade
Era uma daquelas reuniões de
família onde a prima puta dançava achando que parecer um pedaço de graveto
balançando ao vento é sexy, a prima gente boa se balançava parecendo uma débil
mental sem infância - e te arrastava, por sinal -, e o primo que não fede e nem
cheira fazia o que sempre soube fazer de melhor: não feder e nem cheirar.
Uma daquelas reuniões mais que
interessantes – só que não – em que todos os olhos ficam arregalados e todos os
ouvidos atentos enquanto as mentes ligadas por um maldito laço genético
trabalham sem cessar porque qualquer palavra – mal ou bem colocada – pode
acabar em um puta barraco familiar que vai ser a fofoca de todos durante anos.
Sim. Uma reunião de família,
agregados, amigos, cachorro, papagaio, periquito e fofoqueiros. Os últimos, é
claro, são mais frequentes que o resto das espécies de parentes.
No meio desse furacão todo,
eis que surge um fisiculturista e um dos seus tios para fazer alguma das coisas
irritantes que só tios e tias têm o dom de fazer: acabar com a sua infância.
Aliás, eu não sei o que os
tios fazem além de acabar com a infância dos sobrinhos. Seja contando histórias
constrangedoras dos pais ou então fazendo perguntas que ninguém precisa
realmente escutar ou responder.
- Olha, mãe, o tamanho do
braço do Rodolfo! – O tio viciado em carros e puxa sacos, que insiste em falar coisas
óbvias, tinha que ser o primeiro a se pronunciar.
- Nossa! É grande mesmo! – Até
aí, tudo bem. A avó tem razão. O braço de um fisiculturista é mesmo grande. O
que não deixa de ser óbvio, por sinal.
- É!
- Quer pegar? - Ela hesita e
olha para a cara do cara e, então, para o braço do cara e de novo para a cara
do cara. – Vai! Aperta! – O tio instiga. Ninguém perde por ficar calado, mas
esse é o tipo de coisa que a gente só descobre depois que abre a boca.
E eis que a avó e mãe de
grande parte dos presentes, com seus setenta e três anos, leva uma mão até o
bíceps direito bem dotado do cara bombado, dá uns apertõezinhos marotos e
exclama:
- Aah! Como é bom ser velha! –
O sorriso malicioso poderia ser facilmente confundido com uma brincadeira sapeca
de uma velha depressiva, não? Claro que poderia. Sua avó é tão inocente que não
sabe nem o que é redtube, “dom dom dom” para ela é grego e “É o tchan” era coisa
do capeta. Até hoje é, por sinal.
- Por que, mãe?
- Porque, se eu fosse nova,
não estaria pegando no braço dele.
Depois dessa observação, e do
silêncio desconfortável, você só fica com duas alternativas na cabeça: ou a sua
mente é mesmo podre e você pensa no pior sentido de todas as coisas; ou a sua
avó é mesmo podre e o problema é hereditário.
Eu, sinceramente, não sei qual
das alternativas me desagrada mais.
Mas a gente releva, aguenta,
finge que não vê, se faz de surdo e mudo. Porque, com toda a certeza do mundo,
em alguma outra reunião familiar vai acontecer alguma coisa que vai superar as
outras. É sempre assim, afinal. Nada é tão ruim que não possa piorar.
No fim, fica um humilde pedido
de uma neta escandalizada: e que Deus nunca nos deixe saber o que acontecia por
debaixo das saias “daquele tempo”. Amém.
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