Hereditariedade

domingo, 30 de outubro de 2016

Hereditariedade


Era uma daquelas reuniões de família onde a prima puta dançava achando que parecer um pedaço de graveto balançando ao vento é sexy, a prima gente boa se balançava parecendo uma débil mental sem infância - e te arrastava, por sinal -, e o primo que não fede e nem cheira fazia o que sempre soube fazer de melhor: não feder e nem cheirar.

Uma daquelas reuniões mais que interessantes – só que não – em que todos os olhos ficam arregalados e todos os ouvidos atentos enquanto as mentes ligadas por um maldito laço genético trabalham sem cessar porque qualquer palavra – mal ou bem colocada – pode acabar em um puta barraco familiar que vai ser a fofoca de todos durante anos.

Sim. Uma reunião de família, agregados, amigos, cachorro, papagaio, periquito e fofoqueiros. Os últimos, é claro, são mais frequentes que o resto das espécies de parentes.

No meio desse furacão todo, eis que surge um fisiculturista e um dos seus tios para fazer alguma das coisas irritantes que só tios e tias têm o dom de fazer: acabar com a sua infância.

Aliás, eu não sei o que os tios fazem além de acabar com a infância dos sobrinhos. Seja contando histórias constrangedoras dos pais ou então fazendo perguntas que ninguém precisa realmente escutar ou responder.

- Olha, mãe, o tamanho do braço do Rodolfo! – O tio viciado em carros e puxa sacos, que insiste em falar coisas óbvias, tinha que ser o primeiro a se pronunciar.

- Nossa! É grande mesmo! – Até aí, tudo bem. A avó tem razão. O braço de um fisiculturista é mesmo grande. O que não deixa de ser óbvio, por sinal.

- É!

- Quer pegar? - Ela hesita e olha para a cara do cara e, então, para o braço do cara e de novo para a cara do cara. – Vai! Aperta! – O tio instiga. Ninguém perde por ficar calado, mas esse é o tipo de coisa que a gente só descobre depois que abre a boca.

E eis que a avó e mãe de grande parte dos presentes, com seus setenta e três anos, leva uma mão até o bíceps direito bem dotado do cara bombado, dá uns apertõezinhos marotos e exclama:

- Aah! Como é bom ser velha! – O sorriso malicioso poderia ser facilmente confundido com uma brincadeira sapeca de uma velha depressiva, não? Claro que poderia. Sua avó é tão inocente que não sabe nem o que é redtube, “dom dom dom” para ela é grego e “É o tchan” era coisa do capeta. Até hoje é, por sinal.

- Por que, mãe?

- Porque, se eu fosse nova, não estaria pegando no braço dele.

Depois dessa observação, e do silêncio desconfortável, você só fica com duas alternativas na cabeça: ou a sua mente é mesmo podre e você pensa no pior sentido de todas as coisas; ou a sua avó é mesmo podre e o problema é hereditário.

Eu, sinceramente, não sei qual das alternativas me desagrada mais.

Mas a gente releva, aguenta, finge que não vê, se faz de surdo e mudo. Porque, com toda a certeza do mundo, em alguma outra reunião familiar vai acontecer alguma coisa que vai superar as outras. É sempre assim, afinal. Nada é tão ruim que não possa piorar.


No fim, fica um humilde pedido de uma neta escandalizada: e que Deus nunca nos deixe saber o que acontecia por debaixo das saias “daquele tempo”. Amém.

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