A disney não compraria este conto
Inspirado nos contos da
Chapeuzinho Vermelho e do Rumplestiltskin dos irmãos Grimm
Rúbia lavou o rosto com água
fria e se olhou no espelho. Ficou examinando os próprios olhos, sem saber muito
bem como se definir. Não sabia mais como era ser livre, não sabia onde é que
estava a luz que não existia mais em seu olhar.
Antes de ir embora, Rudolf
deixou um cheque assinado em cima da cama. Era o pagamento pelos
"serviços" que lhe foram prestados. Rúbia gostava de acreditar que os
fins justificavam os meios, e, portanto, sua consciência se aliviava ao saber
que, no fim das contas, abrir as pernas para um ricaço qualquer lhe permitiria
sustentar o asilo por mais tempo.
Sim, sempre foi por amor. Mas
por um amor bem mais importante que o que ela nutria por si mesma.
A quantia manteria a casa de
repouso onde Rúbia era voluntária por mais algumas semanas e, se ela
continuasse em seu lugar, ao lado de Rudolf Stiltskin, mais cheques surgiriam e
mais felizes os moradores do asilo ficariam. E era só isso o que importava.
Na sua opinião, Stiltskin era
um homem asqueroso, nojento e sem escrúpulos. Seus olhos não abrigavam qualquer
tipo de emoção e a voz era falsamente gentil. Não era bonito, e nem o havia
sido quando jovem. Sua única virtude provinha da mente sagaz. Mas, para a maior
parte das pessoas, sua conta bancária ultrapassava os limites da beleza e da
simpatia. E era delas que ele mais se aproveitava.
Há cerca de cinco meses,
começou a soar o boato de que o asilo seria fechado por falta de dinheiro. O
principal colaborador estava desistindo de ajudar porque o diretor não queria
mais cumprir algum acordo que haviam feito anos atrás. Algo sobre usar o
instituto para lavagem de dinheiro, pelo que Rúbia havia entendido. O problema
era que, querendo ou não, pessoas dependiam dos negócios escusos do milionário
e não seria justo que elas fossem afetadas por isso.
Enquanto alguns desistiriam e
deixariam o asilo dependendo apenas da sua própria sorte, Rúbia e Hunter, o
diretor do asilo e namorado da jovem, se preocupavam com o que poderiam fazer
para ajudar. Passaram horas discutindo uma saída alternativa, que não
envolvesse risco para mais ninguém, sem sucesso algum. Pelo tempo de
convivência, Hunter sabia quem Rudolf era e conhecia as artimanhas do velho
para conseguir o que queria, sem nunca perder nada.
E, apesar de todos os avisos
preocupados do diretor, a moça resolveu arriscar. Tentaria conversar com Rudolf
e apelar para algum resquício de humanidade que acreditou que ele fosse capaz
de guardar dentro de si.
Mas ela não estava preparada
para Rudolf Stiltskin ou para nada do que ele tinha a lhe dizer. O único jeito
de manter aberto o asilo seria se tornar amante do milionário e quebrar
qualquer tipo de vínculo que existia entre ela e Hunter tendo como motivo
apenas seu capricho de causar sofrimento alheio.
Dividida entre a lealdade ao
homem que amava e aos idosos que idolatrava, Rúbia escolheu o caminho que seria
a solução a curto prazo para o problema mais grave. Depois eles arrumariam
outro colaborador para manter o asilo funcionando.
Mas Hunter não pensava assim e
não quis nem saber de fazer Rúbia de escudo para proteger ele mesmo e o asilo.
Não houve nem discussão sobre isso e sobre o plano de ganhar tempo, apenas a despedida
repleta de lágrimas e palavras frias. Se ela cogitava aquilo, não precisava nem
olhar na cara de Hunter mais.
Nesse momento, um barulho seco
ecoou pelo quarto e Rúbia saiu do transe no qual se encontrava. O passado
deixou de tomar conta da sua mente e ela balançou a cabeça para clareá-la.
Alguém batia à porta.
Enxugou o rosto e deixou
Hunter para trás. Ele não poderia mais povoar seus pensamentos. Não quando quem
dividia a sua cama era outro e quando ele mesmo disse que nunca mais queria
vê-la. Era melhor assim.
Ou não. Porque quem estava
olhando-a através do olho mágico era o próprio Hunter, em carne e osso. Seu
coração acelerou e um fiasco de esperança começou a crescer dentro de seu
peito, por mais que ela tentasse evitar esse tipo de ilusão se formar.
Abriu a porta e se viu sendo
agarrada e lançada contra a parede do quarto. Em algum momento a porta foi
fechada e seus corpos começaram a rolar em cima da cama, com o desejo de
semanas finalmente vindo à tona. Por algumas horas, esqueceram-se do resto do
mundo e de todas as dificuldades que surgiram entre eles.
Para Rúbia, era a esperança de
um recomeço. Para Hunter, o princípio do fim.
Ficaram tão perdidos se
encontrando um no outro que se esqueceram da hora e só voltaram ao mundo real
quando o urro grave de Rudolf ecoou por todo o andar do hotel. Sua pele assumiu
um tom de roxo meio avermelhado que ressaltava os olhos insanos e os pelos da
barba por fazer de um louco.
O velho ergueu uma mão peluda
que empunhava um revólver e um disparo foi ouvido, seguido do grito agudo de
Rúbia. O tiro atingiu Hunter de raspão e ele se jogou em cima do milionário,
disposto a matar e a morrer pela mulher que amava.
No meio dos dois corpos que se
debatiam, rolando no chão, outro disparo foi ouvido e Hunter se levantou, com o
sangue do rival sujando seu corpo nu e arma empunhada na mão direita. Soluçando
demais para conseguir falar, Rúbia se jogou nos braços do homem ensanguentado e
conseguiu ver o ódio estampado nos olhos castanhos antes de desabar ao lado do
corpo do velho Rudolf e nunca mais enxergar nada.
Olhando os dois corpos inertes
no chão, Hunter limpou o sangue de Rudolf do próprio corpo e vestiu-se, uma
última vez. Uma prece silenciosa, pela alma de Rúbia e pela própria, saiu de
seus lábios enquanto ele se deitava e segurava uma das mãos da moça. Levou o
revólver à própria têmpora e disparou.
Do outro lado do corpo da
mulher nua, os olhos vítreos de Rudolf Stiltskin sorriram.
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