Rotina
Todo dia ela se sentava na
mesma mesa, pedia um cappuccino duplo e lia umas dez páginas de um livro
enquanto esperava esfriar. Ficava tão entretida que depois de ler mais umas
cinco páginas é que se lembrava de dar o segundo gole. A essa altura o
cappuccino já estava frio e ela vinha até o balcão, pedir, sem graça, que o
esquentasse ao menos um pouquinho.
Um dia, aproveitar o
cappuccino deixou de ser uma ritual solitário. Ele apareceu, sentou-se ao seu
lado e eles começaram a conversar. Até onde eu sei, não se conheciam. E desde
então eles se encontravam ali, depois da décima página. Passavam horas
conversando, até que ele se lembrava de que ainda não havia feito o pedido. Ele
vinha até o balcão, fazia seu pedido e me entregava o cappuccino. Sem graça, me
pedia para esquentar.
Ficaram um tempo sem
aparecer, aqueles dois do cappuccino frio. Alguns dias, semanas, talvez. Quando
voltaram, o brilho dos olhos ofuscava o do ouro no dedo. E, todos os dias,
entravam, se sentavam e deixavam o cappuccino esfriar. Nem sempre sorriam,
algumas vezes brigavam, mas acho que o café tinha um certo ar de reconciliação.
Não importava como chegassem, sempre saíam sorrindo.
E eu a vi engordar, aos
poucos. Seus braços engordaram, suas pernas incharam, suas olheiras aumentaram
e sua barriga cresceu. Ele também engordou. Dizia, brincalhão, que não queria
deixar a mulher engordar sozinha. A essa altura ela não vinha até o balcão
pedir para esquentar o cappuccino, eu era quem ia até a mesa. Estava tão pesada que mal conseguia andar, reclamava.
Ficaram mais um tempo sem
aparecer. Dessa vez a pausa foi tão longa que eu pensei que tinham se mudado.
Até que ela apareceu, segurou a porta para que ele passasse com o carrinho.
Sorri. Dessa vez ela me trouxe a mamadeira e perguntou se poderia me incomodar
de novo, mas com outra coisa.
O tempo foi passando, como
sempre faz, e eles foram envelhecendo, se desentendendo e fazendo as pazes
poucos minutos depois de brigarem. O carrinho foi doado para alguma mãe de
primeira viagem, me contaram. E a criança trazia um novo brinquedo a cada dia.
Não gostava de cappuccino, como a mãe, preferia o chá preto do pai. Sem açúcar,
coisa que nenhum dos progenitores entendiam.
Todos os dias, antes da aula
e do trabalho, os três vinham, tomavam café – e cappuccino - e se despediam.
Sorriam, brincavam e a menina esfregava os olhos, com sono. Eu perguntava como
seria o dia e ela me respondia com um sorriso enquanto pai e filha diziam, em
uníssono, “cansativo”.
E foi assim por mais um
tempo, muitos anos. Num dia estavam com os cabelos brancos e voltaram só os
dois. A filha foi estudar fora, explicaram. Ele não ia mais para o trabalho e
ela voltou a deixar o cappuccino esfriar. Os livros ficaram com as letras
maiores, culpa dos óculos que sempre se recusou a usar. Demoravam mais para se
levantar e a porta foi ficando mais pesada, até que nenhum dos dois nunca mais
veio me visitar.
Mas um dia eu a vi. Parecia
um pouco mais nova, os cabelos ficaram novamente longos e escuros, mas o
sorriso e a covinha do lado esquerdo não haviam mudado. Pediu um cappuccino,
levou para a mesa e abriu uma velha máquina de escrever. Cochilei por um
momento e, quando acordei, ela me mostrava a caneca e me perguntava, meio sem
jeito, se eu poderia esquentar.
0 comentários :
Postar um comentário