Algum drama qualquer - VII

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Algum drama qualquer - VII


Ela abriu os olhos no exato momento em que a porta foi destrancada. Um choramingo contido saiu-lhe do fundo do peito enquanto contemplava a face do homem que tanto amava. Algo estava errado, algum osso de brinquedo estava fora do lugar.

Levantou-se do tapete que lhe servia de cama e começou a se aproximar, hesitante. O sorriso  enfeitava a face do dono e os olhos não tinham mais aquele brilho brincalhão. Talvez não fosse a hora certa de rolar no chão e pedir cócegas.

Pulou e ficou um bom tempo sendo sustentada apenas por duas patas, do jeito que sabia que ele adorava. O homem, finalmente, lhe viu e sorriu, meio sem graça, antes de dizer seu nome baixinho e continuar andando.

Foi quando ela sentiu o cheiro. E viu o volume preto que ele segurava com uma só mão. Já havia visto aquele saco escuro e o que tinha dentro dele, geralmente, não exalava um aroma agradável. Entretanto, aquele cheiro já lhe era familiar demais para ser odiado. 

Ele lhe lembrava de bola de pêlos, língua áspera, unhas afiadas e miados que machucavam seus ouvidos. Lembrava-lhe, também, do companheirismo, amizade, brincadeiras até depois da hora de dormir e alimento dividido. Lembrava-lhe da briga pelo líquido branco que saía de uma pequena caixa e das noites frias que passavam enroscadas uma na outra.

Mas... Por que ela estava dentro do saco de cor mais escura que as outras? Por que eles estavam colocando sua felina preferida, sua melhor amiga, dentro do plástico que vai parar dentro do caminhão imundo?

O homem disse alguma coisa em voz baixa e ela entendeu o que acontecia. Havia sido da mesma forma com aquele macho que era da mesma espécie que a sua. Ele nunca mais voltou e o cheiro da ausência de uma consciência também impregnava seu focinho naquele tempo.

Aquilo significava que ela nunca mais veria sua melhor amiga.

Virou-se costas e deitou-se novamente no tapete. Se pudesse falar alguma coisa, seriam só duas palavras:


"Adeus, gatinha."

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