Algum drama qualquer - VII
Ela abriu os olhos no exato
momento em que a porta foi destrancada. Um choramingo contido saiu-lhe do fundo
do peito enquanto contemplava a face do homem que tanto amava. Algo estava
errado, algum osso de brinquedo estava fora do lugar.
Levantou-se do tapete que
lhe servia de cama e começou a se aproximar, hesitante. O sorriso enfeitava a face do dono e os olhos não tinham
mais aquele brilho brincalhão. Talvez não fosse a hora certa de rolar no chão e
pedir cócegas.
Pulou e ficou um bom tempo
sendo sustentada apenas por duas patas, do jeito que sabia que ele adorava. O
homem, finalmente, lhe viu e sorriu, meio sem graça, antes de dizer seu nome
baixinho e continuar andando.
Foi quando ela sentiu o
cheiro. E viu o volume preto que ele segurava com uma só mão. Já havia visto
aquele saco escuro e o que tinha dentro dele, geralmente, não exalava um aroma
agradável. Entretanto, aquele cheiro já lhe era familiar demais para ser
odiado.
Ele lhe lembrava de bola de pêlos,
língua áspera, unhas afiadas e miados que machucavam seus ouvidos. Lembrava-lhe,
também, do companheirismo, amizade, brincadeiras até depois da hora de dormir e
alimento dividido. Lembrava-lhe da briga pelo líquido branco que saía de uma
pequena caixa e das noites frias que passavam enroscadas uma na outra.
Mas... Por que ela estava
dentro do saco de cor mais escura que as outras? Por que eles estavam colocando
sua felina preferida, sua melhor amiga, dentro do plástico que vai parar dentro
do caminhão imundo?
O homem disse alguma coisa
em voz baixa e ela entendeu o que acontecia. Havia sido da mesma forma com
aquele macho que era da mesma espécie que a sua. Ele nunca mais voltou e o
cheiro da ausência de uma consciência também impregnava seu focinho naquele
tempo.
Aquilo significava que ela
nunca mais veria sua melhor amiga.
Virou-se costas e deitou-se
novamente no tapete. Se pudesse falar alguma coisa, seriam só duas palavras:
"Adeus, gatinha."
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