Epitáfio

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Epitáfio


E seu epitáfio será: Foi um grande pastor.

Não foi mais nada. Casou-se frentista e divorciou-se estilhaçado. Ela não o merecia e era o amor da sua vida. Amaldiçoou a família pela própria burrice e culpou-os pela própria fraqueza de nunca ter conseguido se remontar. Resolveu mostrar que era alguém e que era sim capaz de dar a volta por cima. Entrou na faculdade e se tornou pastor. Iria se vingar. Orgulhava-se de seu poderoso intelecto e da oratória invejável. O melhor da pequena cidade, o mais adorado da região. Ela se arrependeria por tê-lo chutado.

Não foi marido e nem pai. Depois do conturbado divórcio, afastou-se dos filhos pela tão obsessiva vingança. Eles o lembravam dela, o grande amor perdido. Queria esquecer. Livros e mais livros faziam-no se sentir seguro enquanto trancava seu coração. Aos poucos, foi se esquecendo de quem lhe amava. Jogou fora alguns instantes e amores importantes. Queria se vingar dela e da família que um dia o nomeou inútil. Nunca abraçou os filhos ou ajudou-os com qualquer coisa. Eles lhe lembravam ela. Se os ajudasse, ajudaria ela. E não queria ajudá-la. Porque a odiava. Porque a amava. Porque odiava a si mesmo por amá-la.

Não foi pai e nem avô. Assim como fizeram os filhos, sofreram os netos. Não os amou, não os reconheceu como parte do seu próprio ser. Eram sangue dela. Esquecera que também eram seu sangue e carne próprios. Ainda queria vingança e frustrava-lhe vê-la tão bem, tão feliz com os filhos e netos. Tanto lhe quis infelicidade que se esquecera de cultivar a própria alegria. E os familiares, também os filhos e netos, estavam certos ao chamar-lhe arrogante insensível. Afastou-se de todos para não precisar de ninguém. Sua vingança não era só dela. Era de todos os que ela amava. E esqueceu-se – talvez espontaneamente – que os que ela amava lhe amavam também.

A frase cravada em seu túmulo será: Foi um grande líder religioso.


Porque não foi mais nada para ninguém.

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