Epitáfio
E
seu epitáfio será: Foi um grande pastor.
Não foi mais nada. Casou-se frentista
e divorciou-se estilhaçado. Ela não o merecia e era o amor da sua vida.
Amaldiçoou a família pela própria burrice e culpou-os pela própria fraqueza de
nunca ter conseguido se remontar. Resolveu mostrar que era alguém e que era sim
capaz de dar a volta por cima. Entrou na faculdade e se tornou pastor. Iria se
vingar. Orgulhava-se de seu poderoso intelecto e da oratória invejável. O
melhor da pequena cidade, o mais adorado da região. Ela se arrependeria por
tê-lo chutado.
Não foi marido e nem pai.
Depois do conturbado divórcio, afastou-se dos filhos pela tão obsessiva
vingança. Eles o lembravam dela, o grande amor perdido. Queria esquecer. Livros
e mais livros faziam-no se sentir seguro enquanto trancava seu coração. Aos poucos,
foi se esquecendo de quem lhe amava. Jogou fora alguns instantes e amores
importantes. Queria se vingar dela e da família que um dia o nomeou inútil.
Nunca abraçou os filhos ou ajudou-os com qualquer coisa. Eles lhe lembravam
ela. Se os ajudasse, ajudaria ela. E não queria ajudá-la. Porque a odiava.
Porque a amava. Porque odiava a si mesmo por amá-la.
Não foi pai e nem avô. Assim
como fizeram os filhos, sofreram os netos. Não os amou, não os reconheceu como
parte do seu próprio ser. Eram sangue dela. Esquecera que também eram seu
sangue e carne próprios. Ainda queria vingança e frustrava-lhe vê-la tão bem,
tão feliz com os filhos e netos. Tanto lhe quis infelicidade que se esquecera
de cultivar a própria alegria. E os familiares, também os filhos e netos,
estavam certos ao chamar-lhe arrogante insensível. Afastou-se de todos para não
precisar de ninguém. Sua vingança não era só dela. Era de todos os que ela
amava. E esqueceu-se – talvez espontaneamente – que os que ela amava lhe amavam
também.
A frase cravada em seu túmulo
será: Foi um grande líder religioso.
Porque
não foi mais nada para ninguém.
0 comentários :
Postar um comentário