A eterna espera de uma alma desinteressada

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

A eterna espera de uma alma desinteressada


O ato de esperar é uma coisa interessante. Você simplesmente fica parada, plantada feito uma árvore, no meio da calçada, olhando para o nada, enquanto espera o maldito do ônibus que sempre atrasa. Já pensou em sair mais tarde, mas não tem coragem de pagar para ver. Do jeito que sua sorte anda lá pelos confins do inferno, ele chegaria mais cedo e o próximo te deixaria esperando até o fim dos tempos. Então você simplesmente desce o maldito morro da sua rua sempre no mesmo horário, fica parada sempre no maldito do mesmo lugar esperando o mesmo ônibus que sempre atrasa. Que rotina mais interessante, não?

Não.

Uma vez ou outra, aparecem pessoas com ânimo o suficiente para te acompanhar na eterna espera que, obviamente, parece não ter fim. Algum preguiçoso que não quer ir a pé para a escola que fica há dois quarteirões ou alguma vizinha velha e fofoqueira que quer... Bem... Fofocar. E reclamar. Essas são as piores. Já chegam ao ponto no meio de uma frase sobre os filhos, netos ou qualquer outra coisa que realmente não te interessa. Fala, fala e fala até a garganta secar. E o ônibus, infelizmente, ainda não chegou. Sua companheira de espera - vulgo maritaca ambulante - engole um pouco de saliva e começa, dessa vez, a reclamar. Reclama do ônibus que não chega, dos carros que passam tocando funk na mesma altura dos gritos num Mineirão lotado, do cachorro que late do outro lado da rua, do cachorro que anda pela rua, da criança na frente dos irmãos mais velhos, da criança atrás dos irmãos mais velhos e, claro, do atraso do ônibus. Você? Apenas escuta, fazendo uma prece silenciosa para que o ônibus chegue logo ou, o que é mais fácil, para que um raio caia do outro lado da rua e ela vá lá reclamar com a calçada destruída ao invés de alugar seu ouvido.

Mas você logo se conformo e percebe - pela décima quinta vez no dia - que reclamar é um verbo - e ação - constantemente inserido no dia a dia dos seres humanos. Aposta consigo mesma que algum laudo médico já atestou que fulano morreu porque não tinha nada do que reclamar. Se não reclama em alto e bom som, reclama mentalmente. Como você mesmo reclama, enquanto escuta as lamentações de uma outra usuária do transporte público.

O ônibus finalmente chega e você penso que poderia ser pior. Não morreu de tanto esperar ou de ouvir. Seu dia ainda pode ser salvo. E então, no meio das suas divagações de alguém que usa fones de ouvido pra espantar as vozes estridentes, leva um susto com o barulho de não-sei-o-quê que bate em algum lugar toda vez que o ônibus passa por algum desnível no asfalto. O que acontece três vezes a cada segundo. E a motorista - Meu deus do céu! É uma mulher! - não sabe o que é dirigir devagar ou, no mínimo, com cautela. Resmungando imprecações contra carros mal estacionados, pedestres fora da faixa - e sabe-se lá deus o que mais -, a mulher dirige feito uma bruxa louca e desgovernada. Até parece você mesma, quando fico sabendo de uma promoção de sapatos. E, esperando não morrer dentro daquele imenso caixote azul - o que não seria nada elegante -, decide que tem que comprar um carro. Essa vez foi qual? A quinta em menos de uma semana? Já teria comprado cinco carros essa semana se tivesse dinheiro para isso. Mas não tem, então espera.

Espera o ônibus chegar para a vizinha calar a boca e você conseguir chegar ao trabalho - viva - para tentar juntar o dinheiro necessário para sobreviver no mundo sem reclamar. E, é claro, comprar um carro. Meu deus. Que rotina interessante, não?

Não.

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