A eterna espera de uma alma desinteressada
O ato de esperar é uma coisa
interessante. Você simplesmente fica parada, plantada feito uma árvore, no meio
da calçada, olhando para o nada, enquanto espera o maldito do ônibus que sempre
atrasa. Já pensou em sair mais tarde, mas não tem coragem de pagar para ver. Do
jeito que sua sorte anda lá pelos confins do inferno, ele chegaria mais cedo e
o próximo te deixaria esperando até o fim dos tempos. Então você simplesmente
desce o maldito morro da sua rua sempre no mesmo horário, fica parada sempre no
maldito do mesmo lugar esperando o mesmo ônibus que sempre atrasa. Que rotina
mais interessante, não?
Não.
Uma vez ou outra, aparecem
pessoas com ânimo o suficiente para te acompanhar na eterna espera que,
obviamente, parece não ter fim. Algum preguiçoso que não quer ir a pé para a
escola que fica há dois quarteirões ou alguma vizinha velha e fofoqueira que
quer... Bem... Fofocar. E reclamar. Essas são as piores. Já chegam ao ponto no
meio de uma frase sobre os filhos, netos ou qualquer outra coisa que realmente
não te interessa. Fala, fala e fala até a garganta secar. E o ônibus, infelizmente,
ainda não chegou. Sua companheira de espera - vulgo maritaca ambulante - engole
um pouco de saliva e começa, dessa vez, a reclamar. Reclama do ônibus que não
chega, dos carros que passam tocando funk na mesma altura dos gritos num
Mineirão lotado, do cachorro que late do outro lado da rua, do cachorro que anda
pela rua, da criança na frente dos irmãos mais velhos, da criança atrás dos
irmãos mais velhos e, claro, do atraso do ônibus. Você? Apenas escuta, fazendo
uma prece silenciosa para que o ônibus chegue logo ou, o que é mais fácil, para
que um raio caia do outro lado da rua e ela vá lá reclamar com a calçada
destruída ao invés de alugar seu ouvido.
Mas você logo se conformo e
percebe - pela décima quinta vez no dia - que reclamar é um verbo - e ação -
constantemente inserido no dia a dia dos seres humanos. Aposta consigo mesma
que algum laudo médico já atestou que fulano morreu porque não tinha nada do
que reclamar. Se não reclama em alto e bom som, reclama mentalmente. Como você
mesmo reclama, enquanto escuta as lamentações de uma outra usuária do
transporte público.
O ônibus finalmente chega e você
penso que poderia ser pior. Não morreu de tanto esperar ou de ouvir. Seu dia
ainda pode ser salvo. E então, no meio das suas divagações de alguém que usa
fones de ouvido pra espantar as vozes estridentes, leva um susto com o barulho
de não-sei-o-quê que bate em algum lugar toda vez que o ônibus passa por algum
desnível no asfalto. O que acontece três vezes a cada segundo. E a motorista -
Meu deus do céu! É uma mulher! - não sabe o que é dirigir devagar ou, no mínimo,
com cautela. Resmungando imprecações contra carros mal estacionados, pedestres
fora da faixa - e sabe-se lá deus o que mais -, a mulher dirige feito uma bruxa
louca e desgovernada. Até parece você mesma, quando fico sabendo de uma promoção
de sapatos. E, esperando não morrer dentro daquele imenso caixote azul - o que
não seria nada elegante -, decide que tem que comprar um carro. Essa vez foi
qual? A quinta em menos de uma semana? Já teria comprado cinco carros essa
semana se tivesse dinheiro para isso. Mas não tem, então espera.
Espera o ônibus chegar para a
vizinha calar a boca e você conseguir chegar ao trabalho - viva - para tentar
juntar o dinheiro necessário para sobreviver no mundo sem reclamar. E, é claro,
comprar um carro. Meu deus. Que rotina interessante, não?
Não.
0 comentários :
Postar um comentário