Miserável amor
Os olhos úmidos se
encontraram com os castanhos e mais lágrimas desceram quando ele disse que
estaria ali para ajudá-la. Ele não iria embora. Maria Elise não teria que criar
uma criança sozinha ou correr o risco de acabar com a própria vida e com a do
filho. Em poucos minutos, uma vida inteira passou diante dos olhos molhados.
Ela se lembrou de cada instante e, ao sentir o aperto companheiro na mão, sabia
que não seria igual. Ambos fariam de tudo para que não fosse.
Desde pequena, aprendera a
nunca confiar em ninguém, a nunca se entregar e nem a se permitir repousar em
braços alheios. Seu coração era deveras importante para ser entregue a outro
ser. A mais árdua lição veio da própria mãe, que se permitira amar demais um
homem que ela mal conhecia.
"Afinal", dizia
ela, "nunca se conhece alguém bem o suficiente." As
lágrimas sempre inundavam o rosto cansado ao contar a história dos infortúnios
amorosos. "Seu pai disse que me amava e que ficaria ao meu
lado". Uma risada amarga era proferida pelos lábios rachados antes que a
voz, já rouca por conta do cigarro, continuasse: "Bastou apenas um
positivo para o filho de uma puta me dar um belo de um pé na bunda".
O resto da história Maria
Elise havia presenciado e não precisava de nenhuma narração interrompida por
tosses histéricas para conhecer o fim. O pai sumiu, a mãe não aguentou a
pressão de cuidar de uma criança sozinha e se afundou em drogas, bebidas e tudo
que pudesse lhe dar o mínimo de dinheiro possível. Ou aquela maldita última
dose que se repetia infinitamente.
A pequena menina, fruto de
um relacionamento miserável, cresceu sem amor ou qualquer tipo de afeto. A mãe
fora expulsa de casa quando os familiares descobriram a gravidez e sua mente se
perdeu. O maior sonho da adolescente Maria Elise era conhecer a mulher
sorridente que via nas fotos antigas. Às vezes, a sombra das drogas abandonava
o olhar azul fosco dos olhos maternos e a voz ficava um pouco menos detestável
ao dizer"eu te amo" para a garota. Mas palavras não valiam de
nada. Nunca valeram.
E era por se lembrar de tudo
o que já passara que agora chorava. Porque não queria oferecer um amor
miserável ao filho. Mas também não queria perdê-lo. Queria se sentir capaz de
amar do mesmo modo que ela nunca havia sido amada. Só que não sabia se teria
condições, se seria capaz de dar-lhe tudo o que nunca teve.
O médico que lhe atendera
estava com os olhos tranquilos de quem já havia por aquilo diversas vezes enquanto
Maria Elise se debulhava em lágrimas, sentimentos e catarro. Não era tristeza
por não ter tido uma família, era medo de não ser capaz de construir uma com os
tantos remendos que fez no próprio coração.
E então os olhos castanhos
do namorado lhe sorriram e a mão forte apertou a sua. E Maria Elise acreditou
em finais felizes e reconstrução de almas despedaçadas. Acreditou que era
possível.
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