Algum drama qualquer - IV

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Algum drama qualquer - IV


Tudo o que acontece no mundo tem um motivo e é por isso que estamos aqui. Por algum motivo estranho e oculto que nós vamos descobrir ao longo do resto de nossas vidas. Ou não.

Respiro fundo quando te vejo parado à minha frente. Você não parece nem notar, já que também está surpreso. Droga... Para nos deixar ainda mais sem graça, tinha que ter essa loira ao seu lado? E eu deveria estar com meu marido logo atrás de mim?

Seus olhos verdes ainda estão fixos em mim e fazem eu me lembrar de quando você costumava dizer que os meus eram da cor do céu. Sempre houve um poeta em você, Luke, mas... Onde ele está? O terno e a gravata não combinam com o meu primeiro e desorganizado namorado. E eu posso apostar que está pensando que uma criança no colo não era o que esperava da versão mais nova, irresponsável e rebelde de mim.

Merda... Pensei que isso tinha sido há muito tempo - e foi -, mas meu coração ainda alça voo quando te vê. Meu corpo reage à sua presença como se fosse um toque íntimo. Ainda pego fogo por você, ainda sinto um frio na barriga ao te ver.

Sentimos demais, vivemos tanto, fizemos mais ainda... Éramos como a tampa e a panela. Você preferia "carne e unha". Dizia ser mais romântico. Mais um aspecto do poeta que não encontro mais em seus olhos.

Estão vidrados. Apáticos. Surpresos.

E ainda retém um pouco da ternura dos velhos tempos. Um lampejo... Mesmo que minúsculo, posso enxergá-lo em você.

Éramos opostos que se completavam. Tão opostos que não queriam a mesma coisa. Nossos sonhos eram tão contrários quanto o branco e o preto. E nenhum de nós queria chegar aos tons de cinza.

Você queria terminar seu livro e constituir uma família. Ansiava pela Itália e suas paisagens inspiradoras.

Eu queria o mundo. Viajar por seus quatro cantos usando minha música para inspirar as pessoas. Sem laços, amarras, sem responsabilidade. Se ficasse sem dinheiro, eu daria um jeito.

Na verdade... Não acho que essa diferença tenha sido empecilho, mas o caminho que nossas vidas seguiram, esse sim foi impedimento. A única dificuldade pela qual não passamos inteiros. Apenas entramos nos nossos carros e fomos em direções opostas. Palavras entaladas na garganta, promessas de amor eterno pairando entre nós, mas nada foi dito. Só iria piorar tudo, deixar as coisas ainda mais difíceis. Um beijo de despedida foi tudo o que tivemos.

Você foi para a Itália, como o planejado, mas num alto cargo de uma multinacional e não para escrever. O poeta deve ter sido esquecido no porão da casa dos seus pais, num papel entalado na máquina de escrever empoeirada.

Eu cheguei até Londres, Oxford, para ser mais exata. Advogada em licença por causa do bebê que agora carrego no colo. E era eu quem sonhava com a liberdade...

Éramos opostos e hoje somos mais ainda. Você me queria para sempre. De papel passado e lar fixo. Eu te queria por diversão. Não que eu não te amasse, mas amava mais a mim mesma.

E aqui estamos. Na mesma cidade onde nada acontece. No mesmo restaurante onde tantas vezes nos encontramos. Destino? Vontade divina? Sinal do futuro? Ironia de algum deus do olimpo que queria que nos lembrássemos de como costumávamos ser perfeitos um para o outro? Talvez seja só por mero acaso e todas essas divagações tenham sido em vão.

Anos depois. Cada um com sua vida, seus amores, seus pensamentos. A única coisa que temos em comum é o passado. E esse, ficou pra trás.

É por ter consciência disso que nos sorrimos com uma educação ensaiada e seguimos em frente. Eu, saindo do restaurante, e você começando sua noite ao lado da loira de vestido vermelho. Apenas dois estranhos se reencontrando na porta de um restaurante. Nada mais.

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