Por um passe de mágica

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Por um passe de mágica



- Feche os olhos... – Ela disse antes de ir, para que ele não fosse obrigado a ver o momento do seu último suspiro.

E me imagine respirando.

Bruno era um renomado mágico, conhecido e aclamado por todo o mundo e, talvez, até além dele. Viajava por todos os continentes fazendo shows e realizando feitos que muitos diriam impossíveis.

Um dia estava levitando por cima do prédio mais alto do mundo, no outro, havia feito sumir um grande e conhecido monumento histórico ou então colocava as pessoas em transe para que lhe contassem seus segredos obscuros. E sujos. Tudo com a ajuda da sua filha e do mascote, que hoje vaga pelas ruas imundas da cidade por ter sido esquecido pelo dono. Mas isso, caro leitor, não vem ao caso.

O foco dessa história é Bruno, o mágico que se julgou capaz de tudo.

E que enlouqueceu ao descobrir que não era Deus.

Acontece que Bruno não era arrogante ao ponto de dizer que conseguia fazer qualquer coisa, mas as pessoas o chamavam imbatível. E, quando se fala demais uma mentira, ela tende a se transformar numa verdade.

- Eu preciso... Preciso de mais... Parafusos.

Saiu do laboratório e foi até o porão pegar outra caixa que continha parafusos de diversos tamanhos. Haviam algumas engrenagens jogadas ao lado que ele decidiu levar para o andar de cima só por garantia. Não que se importasse em descer novamente as escadas. Para fazer o que precisava fazer, era capaz de tudo.

Abriu a porta do que antes era uma biblioteca e encarou a figura do seu mais recente experimento. E importante. Já fazia mais de duas semanas que Bruno havia visto sua filha morrer. Fazia mais de duas semanas que ele tentava, a todo custo, ressuscitá-la.

Para qualquer observador comum, o corpo em pé no centro do aposento parecia um absurdo profanador. O sangue havia sido limpo e a pequena menina ficava em pé, sustentada por suportes metálicos e rodeada de ferramentas e peças diversas.

Seu nome era Natália e seus cabelos, loiros como o sol, escorriam, sem vida alguma, até o meio da cintura fina. Os olhos verdes desbotados estavam abertos fitando o nada, vidrados.

A pele, outrora pálida, também estava verde, mas esse tom era bem menos elegante do que o que adornava seu rosto.

Bruno já havia tentado mil e uma vezes, feito mil e uma experiências para obter sucesso. Havia caminhado desde o clássico choque para ressuscitar até o passo de abrir o tórax e fazer bater, ele mesmo, com suas próprias mãos, o coração.

Não acredito que seja preciso dizer que nosso protagonista não conseguiu trazer a filha de volta à vida. Mas, de qualquer forma, sendo necessário ou não, que fique claro que ele não conseguiu fazê-la respirar. Natália ainda é mantida de pé pelos suportes elaborados por um homem desesperado enquanto o pai enlouquecido encaixa parafusos, engrenagens e placas de metal em seu pequeno e delicado corpo. Talvez, em algum momento futuro, ele consiga realizar seu sonho. Talvez ele morra tentando e não se importe com isso.

Bruno era um mágico conhecido mundialmente por seus feitos fantásticos. Um dia estava cortando mulheres ao meio e, no outro, estava fazendo aparecer milhares de pombas numa pequena cartola. Mas isso, caro leitor, não vem ao caso.

O foco dessa história é Bruno, o mágico que se julgou capaz de tudo.


E que enlouqueceu enquanto tentava ser Deus.

0 comentários :

Postar um comentário