Algo sobre a saudade

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Algo sobre a saudade



Todos os dias ele aceitava o que ela lhe oferecia e pedia por mais um pouco. Apesar da expressão de desagrado em seu rosto, Alessandra sempre acabava entregando metade do pão com manteiga. Recentemente, ela disse a si mesma que não iria comer tudo e daria metade a ele, não conseguia comer direito há dias.

Todos os dias ela saia de casa, com um lenço na cabeça. E ele ia atrás, abanando o rabo, feliz da vida por ver o céu e o sol. Alessandra só levava uma guia consigo para o caso de algum desesperado começar a ter um ataque de pânico, o que raramente acontecia.

Não, o pitbull não atacava pessoas ou corria pela rua feito um doido, tentando fugir. Também não era adestrado. Alessandra dizia que o cachorro só ficava ao seu lado porque ele mesmo havia escolhido assim.

Quando era mais novo, eles discutiam com certa frequência, por causa de uma coisa ou outra que aparecia despedaçada. Foi assim que ganhou seu brinquedo favorito. Como ele detestava todas as bolinhas, Alessandra resolveu deixar um all star branco encardido para o cachorro morder de vez em quando. E ele passava o dia todo comendo aquilo ou levando o tênis para que ela o jogasse em algum lugar distante. Era o seu preferido, principalmente, por ter o cheiro dela.

É por isso que ele agora está deitado, encolhido num canto, com a cabeça em cima do sapato. Acho que ele sente o cheiro dela naqueles cadarços. Mais ainda, acho que ele espera que ela volte para busca-lo. E meu coração dói por isso. Como explicar que Alessandra nunca mais vai voltar?

Ele também não come. Por isso eu o trouxe aqui, doutor. Acho que ficou doente de tristeza, desde que a minha irmã faleceu. Nem um único grão de ração. A única coisa que ele comeu desde então foi a metade de um pão com manteiga. A outra metade ele não quis. Nem me deixou pegar também. Fica lá, ao lado do sapato, intocado. E toda vez que alguém se aproxima, o cachorro começa a rosnar.

Também tentei tirar o sapato, mas os dias e noites chorando foram os piores que eu já passei. Não sei mais o que fazer. Será que o senhor pode me ajudar, doutor, por favor?

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