- Eu sei que não deveria e odeio isso. Eu te amo. Merda, eu te amo e só
me dou conta disso agora, quando você está dormindo e eu estou destruída. É
melhor eu ir embora antes que seus olhos se abram e me mostrem um universo
inteiro que eu nunca poderei ter. Não, pelo amor de deus, não me olhe desse
jeito, eu não quero mais derreter.
Os olhos verdes se abriram antes que ela fosse embora. Ambos se fitaram.
Ela, com tanto amor que até doía e ele com uma névoa cinzenta de sono ainda.
- Vem aqui. – Ele esticou um braço e acariciou a cintura dela, nua. O
neon lá fora piscava, banhando o quarto de vermelho para depois se apagar e
deixar tudo escuro de novo. Vermelho. Breu. Vermelho. Breu. – Será que eles já
entregam o café da manhã?
- Ainda nem amanheceu. – Ao contrário do que disse a si mesma que ia
fazer, ela se aconchegou mais nele e encostou o nariz em seu peito. Os pelos
faziam cócegas, mas a sensação era gostosa. – O que acha de tomar café lá
embaixo.
Todos os músculos dele se retesaram enquanto ele respirava fundo. Em
momentos como aquele, em que ele era duro feito pedra, ela sentia vontade de
chorar.
- Não é bom arriscar. Podemos ser vistos.
- É, eu sei... – Passaram alguns minutos em silêncio antes que ela
perguntasse: - Você vai embora depois do café da manhã?
- Você sabe que sim. – E ele sempre fazia isso. Sempre amassava seu
coração em suas próprias mãos. Ela não sabia quanto mais aguentaria, mas ainda
estava ali. Ao contrário do que tinha dito, ela não foi embora enquanto ele
estava dormindo. Na verdade, tinha quase certeza de que ele faria isso.
Na verdade, ele já tinha feito. Na primeira e na terceira noite. Depois
eles tiveram uma conversa franca e decidiram pelo menos se despedirem com mais
uma transa pela manhã. A transa nem sempre acontecia, mas a despedida, sim. E
era o que mais a machucava. Todas as vezes que ele vestia as roupas, se
inclinava e lhe dava um beijo na testa antes de dizer “até logo” era como se um
pedaço da sua alma fosse embora com ele. E quando ele voltava, não a trazia de
volta.
- É... Eu sei. – Ela se levantou e pegou algumas roupas no chão do
quarto, antes de entrar no banheiro e se trancar lá. Ela queria chorar, mas as
lágrimas não apareceram dessa vez. Estava seca e se sentia como tal. A sensação
era a de ser uma ameixa seca, que foi perdendo tudo o que tinha por dentro ao
longo do tempo.
Algum tempo se passou e ele não bateu na porta ou chamou seu nome. Ela
poderia apostar sua vida que ele tinha ido embora sem se despedir dessa vez.
Depois de se vestir, abriu a porta do banheiro e teria morrido se a aposta
tivesse acontecido de verdade.
Ele estava sentado na cama, já vestido, olhando para a tela do celular.
Quando ouviu o barulho da maçaneta, olhou-a e contemplou sua beleza por alguns
segundos. Deus... Ele se arrependia de poucas coisas, mas se arrependia
amargamente de não tê-la conhecido antes de se casar com a megera da sua
esposa.
- Pensei que já tivesse ido. – Por falta de outra coisa que dizer, disse
justamente o que pensava.
- Eu prometi que sempre me despediria, lembra? – Ele se levantou e foi
até ela, as mãos dos lados do seu rosto, os lábios macios contra a sua boca. A
despedida às vezes tinha o gosto doce. – Alguma vez eu deixei de cumprir alguma
promessa?
Ela queria dizer que sim, mas ele estava certo. Nunca deixou de cumprir
nenhuma promessa. E o que ele não podia fazer, não prometia.
- Não é esse o problema.
- Então qual é?
- Nada é só... – Ela se afastou e ele respirou fundo, sentindo tanto medo
que a garganta ficou fechada por uns segundos. – Você precisa ir. Precisa
voltar para a sua família. – Para ela.
Precisa fingir que não vem me encontrar uma vez na semana, que não apaga as
mensagens do celular todas as manhãs, que não muda a senha de todas as redes
sociais uma vez por semana.
- O que foi? – Ele não queria perguntar, não queria saber, mas ela
precisava dizer. E ele sabia disso, já a conhecia tempo o suficiente para
entender quando as barreiras que ela colocava entre os dois estavam prestes a
desmoronar.
- É TPM. Só isso. Você vai...
- Não é. – Ele se aproximou de novo e a abraçou. E continuou abraçando
mesmo quando ela tentou empurrá-lo para longe.
As lágrimas não caíram. Talvez tenha secado de vez.
- Me diz. – Ele pediu, o rosto escondido nos cabelos bagunçados dela.
- Você não me promete o que eu quero que prometa.
De novo ele ficou rígido, como uma pedra de mármore, só que com um cheiro
delicioso.
- Eu não posso. Você sabe que eu não posso. – Ele levantou seu rosto para
olhar em seus olhos. – Eu te amo, eu juro. – Ele sempre jurava. – Mas eu não
posso prometer isso. Você sabe que não.
- Eu sei.
Ela não sabia.